Golpe do amor: investigações travam por falta de comunicação de empresas de aplicativos

Fonte: CENÁRIOMT

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FOTO:PIXABAY

Tudo começa com um simples match. Um homem encontra uma mulher em um aplicativo de relacionamento e, após dias de conversa, decide vê-la pessoalmente. A caminho do ponto escolhido, a jovem afirma que teve um problema e muda o endereço do encontro, geralmente para sua suposta residência. Ao chegar ao local, uma surpresa. A vítima é rendida por criminosos armados e levada para um cativeiro, onde a conta bancária será esvaziada por meio de transferências via Pix.

O golpe do amor não é mais novidade entre os paulistanos e é notícia quase diariamente. Desde o surgimento dessa nova modalidade de sequestro, no início de 2021, a Divisão de Antissequestro de São Paulo prendeu mais de 420 pessoas e instaurou quase 190 inquéritos policiais.

Para o delegado Eduardo Bernardo Pereira, titular da 1ª Delegacia de Antissequestro, há três fatores que atrapalham o combate às quadrilhas de sequestradores:

• a falta de colaboração das empresas de aplicativo de relacionamento

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• as transferências via Pix

• a facilidade na abertura de contas nos bancos digitais

O Tinder, o Happn e o Inner Circle foram apontados pelas investigações como os principais aplicativos usados pelos criminosos para atrair as vítimas de golpes do amor.

“A grande dificuldade é que não temos a colaboração dessas plataformas, e a gente depende deles. O Marco Civil da Internet deixa claro que eles têm que ter sede no Brasil e são obrigados a fornecer informações, como os dados dos cadastros”, explica o delegado.

Entre as empresas citadas, o Inner Circle é o único que mantém um diálogo com a polícia, porém nunca forneceu “nenhuma informação produtiva”, de acordo com a Divisão de Antissequestro.

Uma das fragilidades dos aplicativos de relacionamento apontadas por Pereira é o fato de as quadrilhas criarem, facilmente, perfis falsos com fotos de mulheres retiradas da internet para ludibriar as vítimas. Os especialistas ouvidos recomendam que essas empresas aprimorem os mecanismos de segurança e desenvolvam meios para verificação da identidade dos usuários.

Outra dificuldade enfrentada pela polícia é o uso do Pix como uma ferramenta fundamental nos golpes do amor, já que permite transferências instantâneas em valores exorbitantes. Para o advogado Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o Pix deveria deixar de ser automático, pelo menos por um período, para frear esse tipo de crime, enquanto a polícia aperfeiçoa os métodos de investigação e monitoramento.

O Ministério Público e o Poder Judiciário, segundo o advogado, também têm que oferecer apoio logístico para descobrir como as quadrilhas estão se articulando, operando as contas das vítimas e, por fim, para localizá-las. “Antigamente, nos sequestros-relâmpago clássicos, em poucos minutos a polícia conseguia rastrear o telefone da vítima com autorização judicial”, relembra Bialski.

100% das vítimas são homens

Todas as vítimas dos casos de golpe do amor investigados pela Divisão de Antissequestro de São Paulo são homens, têm entre 30 e 65 anos e costumam ter alto poder aquisitivo ou estabilidade financeira, segundo o delegado Eduardo Bernardo Pereira.

Apesar dos diversos alertas, muitos homens continuam caindo nessa modalidade de sequestro. Em 2021, quando os golpes começaram a ser praticados, foram instaurados 83 inquéritos e 138 pessoas foram presas na capital e na região metropolitana de São Paulo. No ano passado, o número aumentou para 115 e 303, respectivamente. Neste ano, já há 33 presos e dez casos em investigação.

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Em 24 de janeiro, por exemplo, um gerente comercial de 50 anos foi libertado após ser sequestrado e perder R$ 90 mil em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo. No dia, sete homens e duas mulheres, envolvidos no crime, foram presos em flagrante.

A ingenuidade, a autoconfiança e a falta de informação são apontados por especialistas em segurança pública como os principais elementos que levam os homens a sofrerem esse tipo de golpe combinado com o “sequestro Pix”.

De acordo com Alan Fernandes, membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), os criminosos usam várias artimanhas para enganar as vítimas. As quadrilhas, por exemplo, costumam escolher fotos de mulheres bonitas e jovens para a criação das contas falsas. No perfil, ainda é descrito que elas estão em busca de um grande amor ou que sofreram desilusões amorosas recentemente.

Após cair no golpe do amor, muitas vítimas não compartilham a informação com os amigos por vergonha. Alguns, inclusive, têm relacionamento estável ou são casados, e por isso não querem que a família descubra o uso dos aplicativos de relacionamento.

“Na própria delegacia, eles não falam a verdade. É difícil extrair informações. Eles começam contando outra história, que foram encontrar uma garota e acabaram sendo abordados [antes de chegar ao ponto de encontro], quando foram abastecer o carro. Entretanto, a gente sabe que não é isso que acontece”, conta Pereira.

Redatora do portal CenárioMT, escreve diariamente as principais notícias que movimentam o cotidiano das cidades de Mato Grosso. Já trabalhou em Rádio Jornal (site e redação).