Demanda por anestésicos para pacientes com Covid faz veterinários adiarem cirurgias em pets; antirrábica está em falta

Fonte: G1 SP

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Foto: Arquivo pessoal

O aumento na demanda por medicamentos anestésicos, especialmente aqueles usados no kit intubação para tratar pacientes com Covid-19, afetou a realização de cirurgias em animais de estimação em São Paulo. O fornecimento de vacinas contra a raiva de diversas marcas também foi afetado, e a antirrábica está em falta em diversas clínicas na capital.

O Centro Veterinário Seres, marca do Grupo Petz, que tem 117 unidades em todo o país, suspendeu a realização de cirurgias eletivas em todas suas clínicas e hospitais. Veterinários independentes também relataram que procedimentos cirúrgicos foram adiados por conta da escassez de medicamentos.

Segundo o presidente da comissão de clínicos de pequenos animais do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP), Marcio Mota, o abastecimento de clínicas veterinárias passou por um período “muito crítico” entre março e abril, no pico da epidemia no estado.

“Naquele momento mais crítico da pandemia chegamos a ter relato de falta ou limite na distribuidora. Hoje, acha mais facilmente, tem uma distribuição, mas o preço está lá em cima. […] há uma grande dificuldade de adquirir alguns anestésicos”, diz.

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O representante do CRMV ressalta que houve um aumento no preço dos insumos, especialmente aqueles usados no kit intubação, como o Propofol, cuja escassez também foi relatada em hospitais para Covid-19 em março.

“O Propofol, por exemplo, as clínicas antes compravam uma caixa por R$ 100. Hoje, a indústria vende a mesma caixa com cinco ampolas por R$ 1 mil”, afirma Marcio Mota.

Não há, no entanto, uma orientação do CRMV para que as cirurgias sejam suspensas.

“A posição oficial do conselho é para que os veterinários tenham bom senso de analisar a questão dos insumos sem prejudicar o bem-estar animal. Se isso não vai atrapalhar a saúde do animal, tudo bem. Mas se a parada de cirurgia for prejudicial, pode haver punição.”

Segundo Vanessa Nishimoto, veterinária na Zona Leste de São Paulo, as cirurgias eletivas ficaram paradas por diversas semanas no pico da pandemia por conta da falta de remédios anestésicos, como Propofol, Azelan e Fentanil.

“Quando eram procedimentos mais simples, a gente optou por remarcar, jogar pra frente. A cirurgia que a gente manteve foi, por exemplo, de animal que chega atropelado, coisa que não tem como aguardar mesmo”, explica.

Veterinário na Zona Sul de São Paulo, Tarcísio de Barros Aranha também relatou dificuldade para adquirir uma série de medicamentos usados em cirurgias, além da vacina antirrábica. Em diálogos por WhatsApp, diversos fornecedores lhe confirmaram que os produtos estão em falta.

Um dos pets que ele atende em seu consultório, o gato Terêncio, de 4 meses, teve a cirurgia de castração e a vacinação contra raiva adiadas por conta da falta de insumos.

Cirurgias suspensas ou mais caras

 

A médica veterinária Vanessa Nishimoto conta que, desde o início de maio, os remédios voltaram ao estoque das distribuidoras, mas a preços muito mais altos, o que deixou as cirurgias eletivas mais caras. Por conta disso, muitos donos de pets não puderem arcar com os novos custos.

“Como teve aumento do custo dessas medicações no mercado, a gente está pagando o triplo do valor e teve que repassar isso pro cliente. Por conta disso, muitos estão desmarcando e desistindo de cirurgias de castração por causa do valor”, conta.

 

Nas unidades do Centro Veterinário Seres, ligado à rede Petz, as cirurgias eletivas foram suspensas, e apenas “atendimentos clínicos ou cirúrgicos e exames nos serviços de urgência e emergência” estão liberados.

Na rede, cerca de 40% das cirurgias são eletivas e, destas, quase 80% são castrações. Em nota, a empresa afirma que o adiamento das castrações não compromete a saúde dos pets.

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“Nós estamos postergando de um a dois meses essas cirurgias, tempo que não compromete a saúde e o bem-estar do animal. Vale frisar que esses pets são domiciliados, o que não causa um descontrole de nascimentos de animais que podem ser abandonados no futuro”, diz a Petz em nota.

No entanto, para a veterinária Vanessa Nishimoto, o adiamento da castração pode trazer problemas de saúde para os cachorros, especialmente às fêmeas.

“Até dá pra esperar para castrar, mas quanto mais você espera, mais predisposto o animal fica a ter outras doenças. Um exemplo é uma infecção que dá no útero do animal, das fêmeas, a chamada piometra. É uma doença grave, e muito comum em cadelas não castradas”, afirma.

Vacina antirrábica

 

Além da suspensão e adiamento de cirurgias eletivas, a falta de insumos também está causando atrasos na vacinação contra a raiva de cães e gatos em São Paulo.

O Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP) afirma que clínicas de algumas regiões de São Paulo, como o ABC, estão com grande dificuldade de encontrar o produto.

Márcio Mota, representante do CRMV-SP, explica que a maior parte das vacinas antirrábicas é importada, mas que mesmo os produtos de origem nacional estão em falta. Ele explica que os motivos para a escassez não foram divulgados pelos laboratórios.

Apesar disso, o CRMV-SP estima que o fornecimento deve ser normalizado em até um mês.

“Alguns falam que é dificuldade de aduana, alguns relatam que é atraso dos Estados Unidos e Europa em mandar os produtos importados. Pode ser uma questão comercial de governos, alguns falam de demora de liberação no porto de Santos também. Mas a gente tem agora uma dificuldade de adquirir a vacina nacional da raiva também, e sem nenhuma justificativa ainda. Mandamos nota para os laboratórios nacionais, mas ainda não obtivemos resposta”, explica Marcio Mota.

Segundo a veterinária Vanessa Nishimoto, as vacinas contra a raiva estão em falta desde o começo de janeiro. Como a imunização deve ser anual, alguns animais já estão com carteirinha de vacinação vencida há meses.

Um dos pets atendidos pela veterinária, o labrador Pingo está com a antirrábica atrasada há mais de dois meses.

“São todas as marcas, estão todas em falta. O problema é que a raiva é uma zoonose, então é uma preocupação. Animais que tomaram no começo de 2020 já estão com mais de 3 meses de atraso”, explica Nishimoto.

 

O estado de São Paulo não registra casos humanos de raiva pela variante canina desde 1997, e desde 1998 não há casos pela variante felina. No entanto, ainda há casos esporádicos em cães e gatos, além de um número maior de registros em morcegos, cavalos e vacas.

Segundo o CRMV-SP, apesar de não haver grande número de casos de raiva no estado de São Paulo, a doença ainda persiste, e o atraso na vacinação pode ter impactos negativos em seu controle.

“Se começarmos a nos desproteger pode haver risco, sim. Não há problema em adiar a vacinação desses animais em 15 ou 20 dias. Mas, se em dentro de dois ou três meses não conseguirmos normalizar a situação, há um risco nessa falta de vacinação”, avalia Mota.

O veterinário Tarcísio diz que estão priorizando os animais que saem às ruas. “Deixamos os que só vivem em casa para depois”.