Estudos apresentados por especialistas da FGV indicam que o racismo estrutura mecanismos legais usados para legitimar mortes de pessoas negras no Brasil. A análise foi destacada durante um debate na Unifesp que abordou segurança pública, democracia e o papel do sistema jurídico na reprodução dessa violência.
O professor Thiago Amparo explicou que pesquisas do Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito mostram como decisões judiciais e procedimentos legais ajudam a racionalizar ações violentas do Estado. Segundo ele, não há separação entre um sistema jurídico supostamente neutro e práticas de necropolítica, mas sim um funcionamento conjunto.
Entre os exemplos citados está a aplicação seletiva da legítima defesa, que tem permitido abusos de agentes públicos. Amparo lembrou do caso de Evaldo Rosa, músico morto em 2019 após militares dispararem mais de 250 tiros contra o carro em que estava com a família. Mesmo com a gravidade do episódio, as condenações dos envolvidos foram reduzidas pelo Superior Tribunal Militar.
No mesmo evento, o ouvidor da polícia paulista, Mauro Caseri, ressaltou que a maioria das mortes decorrentes de intervenções policiais atinge jovens negros, concentradas em áreas específicas das cidades. Ele também alertou para o elevado índice de arquivamento de casos: cerca de 95% dos policiais que cometem homicídios têm investigações encerradas pelo Ministério Público, e entre os poucos casos que seguem adiante, a maioria termina em absolvição.
Caseri defendeu o uso amplo de câmeras corporais para reduzir mortes de civis e de policiais, por obrigar o cumprimento dos protocolos oficiais. Ele também apontou falhas na preservação de locais de crime, o que compromete a qualidade dos laudos periciais.
Amparo destacou ainda o desrespeito a normas processuais na obtenção de provas, citando estudo da FGV que identificou invasões irregulares de domicílio justificadas como “entrada franqueada”. Para o pesquisador, nulidades apontadas pela defesa costumam ser ignoradas pelo Judiciário.
Outra pesquisa citada por ele, que analisou 800 mortes decorrentes de intervenções policiais em São Paulo, mostrou que 85% das vítimas não tiveram exame de pólvora realizado. A ausência de procedimentos básicos dificulta a responsabilização de agentes e reforça a sensação de impunidade.
O professor afirma que essas práticas fazem parte de um projeto político de opacidade, que envolve falta de transparência sobre pedidos de arquivamento, implementação desigual de câmeras corporais e seletividade em abordagens policiais. Ele também comparou a violência atual do Estado à registrada na ditadura militar, ressaltando que, mesmo em democracia, direitos não são igualmente garantidos.
Amparo observou que 40% das vítimas tinham sinais de agressão antes da morte, como hematomas e estrangulamento, enquanto narrativas policiais registradas nos processos frequentemente apresentam versões não comprovadas por outras evidências. Para ele, a palavra dos agentes envolvidos segue sendo o principal elemento usado para absolvições, perpetuando um ciclo de violência e proteção institucional.
















