“Morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população, identificada como dissidente política por regime ditatorial instaurado em 1964”.
Com essa frase, foram entregues nesta quinta-feira (28), em Belo Horizonte, atestados de óbito corrigidos a familiares de 63 vítimas da ditadura militar (1964-1985). A cerimônia ocorreu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e contemplou pessoas nascidas, desaparecidas ou mortas no estado durante o período.
Reconhecimento histórico
A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, destacou o simbolismo do ato. Segundo ela, operários, estudantes, intelectuais, artistas, jornalistas e ativistas foram assassinados pela repressão apenas por exercerem papel crítico e político. “Defender direitos, liberdade e cidadania era visto como ameaça por aqueles que controlavam o Estado”, afirmou.
Para a ministra, a medida representa parte de um processo de cura social. “A defesa da democracia é o único caminho para garantir a dignidade humana, o livre pensamento e a diversidade de ideias”, declarou.
Certidões falsificadas
A presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, lembrou que as primeiras certidões de óbito apresentavam causas falsas, como suicídio ou acidente. Somente em 1995 o Estado começou a reconhecer oficialmente as mortes em contextos de repressão, mas sem assumir a responsabilidade direta. “Era um avanço diante da omissão completa”, disse.
Após a reativação da comissão em 2023, familiares finalmente receberam os documentos corrigidos. Gonzaga fez questão de pedir desculpas em nome do Estado brasileiro: “Este reconhecimento é fruto da luta de décadas das famílias”.
Memória e dor
A ministra do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha, relatou seu vínculo pessoal com a cerimônia. Ela é cunhada de Paulo Costa Ribeiro Bastos, desaparecido político capturado em 1972. “O sofrimento de perder alguém, sem saber o paradeiro, sabendo que foi assassinado pelo regime, é uma agonia indescritível”, declarou.
Familiares afirmaram que a retificação chega tarde para muitos pais e avós, mas reforçaram a importância de manter viva a memória da ditadura. Jovens descendentes destacaram a necessidade de expor nas redes sociais a violência praticada pelo regime.
A militante Diva Santana, que perdeu a irmã Dinaelza nos anos 1970, afirmou que o ato não encerra a luta: “A juventude precisa reagir e lutar pela soberania do país, pelos mesmos motivos que nossos familiares deram suas vidas”.