Um relatório nacional produzido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), expõe práticas sistemáticas de violação de direitos humanos em manicômios judiciários em todo o Brasil. As inspeções, realizadas entre janeiro e março de 2025, identificaram o uso de choque elétrico, violência física e psicológica, contenções sem respaldo clínico e medicalização forçada como práticas recorrentes nessas instituições.
O documento, intitulado Relatório de Inspeção Nacional: Desinstitucionalização dos Manicômios Judiciários, reforça o alerta para o abandono e a violência presentes em 42 unidades inspecionadas em 21 estados brasileiros. A presidenta do CFP, Alessandra Almeida, afirmou que esses locais representam uma combinação perversa entre prisão e hospício. Segundo ela, há registros de isolamento punitivo, falta de acessibilidade, superlotação e degradação estrutural, além de ausência de canais para denúncias e precarização do trabalho de profissionais da saúde.
Atualmente, 2.053 pessoas com deficiência psicossocial permanecem institucionalizadas nessas unidades, contrariando diretrizes legais como a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) e tratados internacionais ratificados pelo Brasil. As práticas observadas violam normas que deveriam garantir o cuidado em liberdade e o respeito à dignidade dos pacientes.
A Resolução nº 487/2023 do CNJ, que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, reforça a urgência do fechamento desses estabelecimentos. O CFP ressalta que as instituições analisadas seguem operando sob a lógica do castigo e do abandono estatal, com severas restrições de circulação, falta de itens básicos e alimentação inadequada.
O relatório também aponta o impacto de preconceitos estruturais como o racismo e o capacitismo. Alessandra Almeida destacou que a noção de periculosidade usada para manter essas pessoas institucionalizadas é subjetiva e frequentemente direcionada a indivíduos negros, pobres e periféricos. Citando autores como Franz Fanon, Ana Flauzina e Carla Akotirene, ela afirmou que o sistema atua como uma tecnologia de controle e exclusão, baseada em discursos coloniais que moldam quem é considerado perigoso.
Para o CFP, a interseccionalidade entre raça, classe, gênero e deficiência deve ser um pilar central das práticas psicológicas e jurídicas no enfrentamento a esse modelo institucional, que persiste como forma de invisibilização e violência contra os mais vulneráveis.