Dez anos após a promulgação da Lei Complementar 150, que regulamentou os direitos dos trabalhadores domésticos no Brasil, a realidade da categoria segue marcada por informalidade, exclusões e desvalorização. Conhecida como Lei das Domésticas, a norma surgiu a partir da Emenda Constitucional 72 e foi um marco legal para o setor. No entanto, muitos empregadores ainda resistem a registrar as profissionais e cumprir suas obrigações legais.
Maria Izabel Monteiro, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, avalia que a LC 150 garantiu avanços importantes, como jornada de 44 horas semanais, pagamento de horas extras e adicional noturno, além do depósito do FGTS. Mesmo assim, há uma prática sistemática de sonegação, baseada na ideia de que o trabalho doméstico tem menor valor social.
“A classe média alta continua a depender das domésticas, mas muitas vezes ignora seus direitos. Quem cuida da casa e dos entes queridos deve ser reconhecida como profissional e ter seus direitos respeitados”, afirmou. Ela defende maior fiscalização, inclusive em condomínios residenciais.
Dados da PNAD Contínua de 2022, do IBGE, revelam que o país tinha 5,9 milhões de trabalhadores domésticos, sendo 91% mulheres e 70% negras. Apenas 20% tinham carteira assinada, e mais da metade (52,9%) eram chefes de família.
Segundo Creuza Maria Oliveira, coordenadora da Fenatrad, a lei deixou de fora direitos importantes, como o abono salarial e um seguro-desemprego mais justo. Diaristas, por exemplo, continuam sem reconhecimento legal, mesmo exercendo atividades semelhantes às domésticas regulares.
Maria*, babá desde os 10 anos, lamenta as limitações do auxílio-desemprego. “Trabalhamos em várias casas, ganhamos pouco, e quando somos demitidas, temos poucas parcelas. A carteira assinada foi um avanço, mas ainda falta o PIS”, desabafa.
Paula Montagner, da Subsecretaria de Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, afirma que incluir as diaristas é um tema complexo que exige debate com a sociedade e o Congresso Nacional. A pasta estuda medidas para facilitar o recolhimento de encargos pelos empregadores.
Entre os direitos já garantidos pela lei estão: pagamento de horas extras, adicional noturno, folga semanal remunerada, intervalo mínimo para refeições e indenização por demissão sem justa causa. No entanto, para ter acesso a esses direitos, a profissional deve estar cadastrada no sistema eSocial.
Tâmara*, mãe solo e empregada registrada, denuncia episódios de desrespeito e violência. “É um trabalho exaustivo, que exige cuidado e dedicação, mas ainda somos vistas como inferiores. Muitas sofrem assédio e maus-tratos”, relatou. Ela representa o perfil majoritário das trabalhadoras domésticas: mulheres negras, pobres, chefes de família e com baixa escolaridade.
Para a assistente social Anazir Maria de Oliveira, a desvalorização da categoria é histórica, com raízes no período escravocrata. Essa herança ainda se reflete na resistência à formalização do setor.
Creuza Oliveira, da Fenatrad, reforça: “Foram décadas de trabalho sem remuneração justa. E por ser uma atividade feminina, nunca foi valorizada.”
Além da informalidade, há denúncias de trabalho doméstico em condições análogas à escravidão. A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), autora da PEC das Domésticas, destaca que ainda há um longo caminho até que os direitos garantidos sejam plenamente respeitados.
O Ministério do Trabalho estuda ações legais integradas com órgãos como a assistência social, Judiciário e forças policiais para intensificar a fiscalização.
*Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada.