Os conflitos agrários no Cerrado se agravam diante da morosidade da Justiça, da autorização estatal para desmatamento em áreas disputadas e da dificuldade de povos tradicionais em acessar o sistema jurídico. Agricultores familiares e lideranças locais denunciam que o Estado não garante a proteção necessária, especialmente em regiões como Balsas (MA), segundo maior polo de desmatamento do país.
Em campo, a presidente da Associação Camponesa do Maranhão (ACA), Francisca Vieira Paz, percorre comunidades ameaçadas para prestar suporte. Ela critica a omissão do poder público: “O Estado é omisso. A violência no campo não é combatida, e os movimentos sociais são a última defesa dos povos que ainda protegem o bioma Cerrado”.
O Maranhão figura entre os estados com mais disputas fundiárias do Brasil, ao lado do Pará, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O governo estadual afirma que a questão agrária é uma prioridade, mas moradores relatam avanço contínuo do agronegócio sobre territórios tradicionais.
Justiça lenta e desmatamento em áreas contestadas
O juiz Delvan Tavares, da Vara Agrária de Imperatriz, relata que muitos conflitos surgem quando produtores iniciam o desmatamento em áreas reivindicadas por comunidades locais. Segundo ele, a vara criada em 2024 tenta reduzir a lentidão processual com inspeções presenciais nos municípios. “Já realizei mais de 20 inspeções desde janeiro”, informou.
O magistrado destaca que o principal problema é a concessão de autorizações ambientais antes de definir quem tem direito à terra. “Essas autorizações permitem o desmatamento mesmo sem resolução fundiária”, afirmou.
Grilagem e fragilidade cartorial
A inconsistência nos registros de cartório também alimenta a grilagem. O juiz cita o caso de um produtor que expandiu ilegalmente uma propriedade de 400 para 900 hectares e, com base em documentos falsos, obteve financiamento para desmatar 600 hectares de Cerrado.
Pesquisas da Universidade Federal do Pará (UFPA) apontam que a grilagem reduz o preço da terra, estimulando a expansão do agronegócio sobre áreas preservadas. “Enquanto a questão fundiária não for resolvida, o desmatamento continuará”, afirma o economista Danilo Araújo Fernandes.
Preconceito e estrutura judicial
O juiz aposentado Jorge Moreno critica o preconceito contra agricultores familiares e povos tradicionais no sistema de Justiça. Segundo ele, muitos magistrados associam o agronegócio à modernidade e enxergam os pequenos produtores como símbolo de atraso. “Há vínculos sociais e econômicos entre juízes e fazendeiros, o que compromete a imparcialidade”, afirmou.
Atuação da Defensoria
A Defensoria Pública do Maranhão (DPE/MA) informou que o Núcleo Regional de Balsas oferece assistência jurídica gratuita a comunidades vulneráveis envolvidas em conflitos fundiários e socioambientais. A instituição também mantém o Núcleo de Defesa Agrária e Socioambiental em São Luís e Imperatriz, garantindo cobertura estadual.
Série especial
Esta reportagem integra a série Fronteira Cerrado, que investiga os impactos do avanço do agronegócio sobre as águas e o território do bioma. A produção faz parte da Seleção de Reportagens Nádia Franco, iniciativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que financiou conteúdos especiais produzidos por jornalistas da casa.
    
    
    
    
    
							














