A Justiça de Mato Grosso, por meio da Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça, impôs uma derrota à plataforma Uber ao julgar improcedente a recusa de credenciamento de um motorista. A decisão não apenas obriga a empresa a ativar o cadastro do profissional, como também a pagar uma indenização de R$ 7 mil por danos morais. O imbróglio teve como cerne a alegação da Uber de um suposto “apontamento criminal” contra o motorista.
No entanto, a análise judicial detalhada do caso revelou uma inconsistência crucial na argumentação da plataforma. Ficou comprovado que o motorista havia cumprido integralmente um acordo de não persecução penal (ANPP). Esse instrumento jurídico, previsto na legislação brasileira, impede o prosseguimento da ação penal e, fundamentalmente, não configura uma condenação criminal, tampouco gera antecedentes penais para o indivíduo.
O relator do caso, desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha, em seu voto contundente, explicitou que a conduta da Uber representou uma afronta direta a princípios essenciais que regem as relações contratuais. A boa-fé objetiva, que exige lealdade e cooperação entre as partes, e a função social do contrato, que preconiza que a relação jurídica deve atender aos interesses coletivos, foram flagrantemente desrespeitadas pela plataforma digital. O magistrado enfatizou o caráter desproporcional e a ausência de base legal para a restrição imposta, classificando-a como abuso de direito.
A decisão da Terceira Câmara ecoa a preocupação com os direitos dos trabalhadores que dependem de plataformas digitais para sua subsistência. Ao barrar o motorista com base em uma interpretação equivocada de um acordo legal, a Uber não apenas o privou de sua fonte de renda, mas também atentou contra sua dignidade. O colegiado compreendeu que essa exclusão injustificada ultrapassou os limites do mero aborrecimento, configurando um dano moral passível de reparação financeira. A indenização por lucros cessantes, contudo, não foi concedida por falta de comprovação específica dos valores perdidos.
A tese jurídica fixada por essa decisão da justiça mato-grossense serve como um precedente importante: a recusa de credenciamento de um motorista parceiro fundamentada em um “apontamento criminal” inexistente, ou seja, sem uma condenação judicial transitada em julgado, é considerada uma prática abusiva que viola a boa-fé contratual e a função social do contrato. A decisão também sublinha que a exclusão arbitrária de profissionais de plataformas digitais, com impacto direto em seu sustento, legitima o direito à indenização por dano moral.
Em um revés para a gigante do transporte por aplicativo, a Justiça de Mato Grosso não apenas determinou o imediato credenciamento do motorista na plataforma Uber, mas também impôs a inversão do ônus da sucumbência. Essa medida obriga a empresa a arcar com a maior parte das despesas processuais e dos honorários advocatícios, sinalizando um firme posicionamento do judiciário estadual em defesa dos direitos dos trabalhadores frente ao poder das grandes plataformas digitais.