“Esse tipo de manipulação mina a confiança no sistema judicial e contamina a percepção de justiça no país.” A declaração de um delegado federal resume o impacto do caso envolvendo Andreson de Oliveira Gonçalves, o lobista de Mato Grosso acusado de criar uma teia de contatos falsos dentro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para atrair e enganar clientes dispostos a pagar por suposta influência em sentenças.
De acordo com a Polícia Federal, Andreson fingia manter ligações diretas com servidores e ministros do STJ. Para sustentar a farsa, ele registrava em seu celular números de advogados e conhecidos com nomes idênticos aos de servidores da Corte, criando uma aparência de proximidade com o alto escalão do Judiciário. Essa encenação, conforme o relatório obtido pelo Estadão, era usada como moeda de persuasão em negociações milionárias.
Em um dos episódios documentados, o lobista transferiu mais de R$ 4 milhões ao então servidor Márcio José Toledo Pinto, que atuou nos gabinetes das ministras Isabel Gallotti e Nancy Andrighi. Em troca, recebia minutas de decisões judiciais. Márcio foi demitido do STJ neste ano após responder a um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) por envolvimento em práticas incompatíveis com o cargo público.
Fontes ligadas ao tribunal afirmaram que, em paralelo à apuração disciplinar, surgiram indícios de um “mercado paralelo de influência”, em que intermediários prometiam decisões favoráveis mediante pagamento. A ministra Nancy Andrighi, em nota, informou ter colocado seu gabinete à disposição das autoridades “para que o caso seja elucidado e os envolvidos, punidos exemplarmente”. Gallotti e a defesa de Márcio Toledo não se manifestaram.
Esquema revelado pela PF expõe falhas estruturais
Além dos contatos reais, Andreson mantinha números falsos em seu telefone com nomes de outros supostos servidores do STJ, como Daimler Alberto de Campos e Rodrigo Falcão. Segundo o relatório da PF, esses contatos não tinham qualquer relação com o tribunal. O documento destaca que a prática de salvar números com identidades trocadas é comum em contextos de ocultação de ilícitos, servindo para mascarar interlocutores e despistar investigações.
O caso também reacendeu um debate sobre os mecanismos de controle interno no Judiciário. Dados da Corregedoria Nacional de Justiça mostram que, entre 2022 e 2024, houve um aumento de 23% nas denúncias envolvendo suposto tráfico de influência em tribunais superiores. Especialistas apontam que a ausência de auditorias preventivas e o excesso de sigilo processual contribuem para que esquemas desse tipo prosperem por anos sem detecção.
Próximos passos da investigação
O relatório da Polícia Federal foi encaminhado ao ministro Cristiano Zanin, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF). A corporação solicita a ampliação das diligências, citando a necessidade de rastrear o uso de linguagem cifrada, codinomes e aplicativos criados para ocultar a origem e o teor das conversas. As apurações também buscam identificar se há servidores ou intermediários ainda em atividade dentro de tribunais superiores.
O caso levanta uma questão maior: até que ponto o lobby jurídico, uma prática tolerada nos bastidores da advocacia, pode ultrapassar a fronteira da legalidade? Segundo o artigo 332 do Código Penal, o tráfico de influência — ainda que sem resultado concreto — é punível com até cinco anos de prisão. Em Mato Grosso, investigações semelhantes já levaram à abertura de quatro inquéritos desde 2023, sinalizando um problema que se espalha além da capital federal.
As informações foram confirmadas pela assessoria da Polícia Federal. O inquérito segue em sigilo, e novas diligências devem ser solicitadas ao STF nas próximas semanas. Cidadãos podem colaborar com denúncias anônimas por meio do canal pf.gov.br/denuncias.