Ferrogrão: entenda sobre o projeto de ferrovia que promete impulsionar o escoamento de grãos pelo Norte, mas enfrenta impasse legal

Fonte: Mayara Subtil, Rede Amazônica

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Foto: Ministério da Infraestrutura

O bilionário projeto logístico do governo federal para expandir a malha ferroviária e impulsionar o escoamento de grãos do Centro-Oeste pelos portos do Arco Norte tenta prosperar em meio a questionamentos legais. O Ministério da Infraestrutura (Minfra) aposta que o leilão para concessão da Ferrovia Ferrogrão EF-170 deve acontecer em breve, apesar dos entraves judiciais que barram o andamento do plano.

Há um ano, o projeto foi encaminhado para análise do Tribunal de Contas da União (TCU), passo essencial para que o edital do leilão possa ser publicado. Ocorre que os trâmites relacionados ao projeto foram suspensos em março pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A promessa é de que a construção da ferrovia consolide, a longo prazo, um corredor logístico capaz de reduzir distâncias e aliviar o bolso de quem paga para exportar produtos como soja e milho, tendo em vista que a estimativa é de recuo de 30% a 40% no preço do frete.

A estrada de ferro também deve ajudar a diminuir as emissões de carbono quando assumir o papel desempenhado por caminhões movidos a diesel, que atualmente realizam o transporte de grãos pela BR-163. Conforme o Poder Executivo, a Ferrogrão também tem potencial para obter o “selo verde” e seguir os parâmetros da Climate Bond Initiative (CBI), organização internacional que certifica iniciativas sustentáveis.

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O projeto da ferrovia, que vem sendo discutido há mais de quatro anos e é muito aguardado pelo setor do agronegócio, faz parte do Programa de Parceria de Investimentos (PPI). O valor estimado do investimento é de R$ 12 bilhões. Os recursos serão injetados pela iniciativa privada e o prazo de concessão é de 69 anos.

Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), caso o cronograma de publicação do edital siga o curso previsto, o contrato que permite colocar o trem nos trilhos pode ser assinado já no primeiro semestre de 2022. Assim, a expectativa do governo é de que a EF-170 esteja em operação daqui a dez anos.

“Quanto maior a produtividade agrícola nessa região, mais viável é a ferrovia. E já temos a declaração pública de investidores interessados em estudar a ferrogrão, ou seja, não é um objetivo só do governo, mas a iniciativa privada vê isso e o governo federal trabalha com essa estratégia de repassar ativos à iniciativa privada, pois vivemos um momento de escassez de recursos públicos que não vai se resolver tão cedo. Prevendo isso, o objetivo do estado é garantir uma infraestrutura boa, estável e que não demande recursos públicos que precisam ir à educação, saúde e segurança”, argumenta Rose Hofmann, secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do PPI.

Os 933 quilômetros da Ferrogrão irão acompanhar o traçado da BR-163. Os trilhos da ferrovia vão ligar o município de Sinop (MT) ao distrito de Miritituba (PA), nas margens do rio Tapajós. Com isso, em vez de caminhões, os grãos passarão a chegar ao local em vagões de trem e em maior quantidade. Atualmente, cerca de 70% do escoamento da safra mato-grossense de soja e milho é feita por portos do sul e sudeste, apesar de estarem localizados a mais de dois mil quilômetros da origem.

A assessora técnica da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Elisângela Lopes, avalia que o envio de produtos agrícolas aos portos do sul e sudeste resulta em altos custos de frete, situação que pode ser atenuada com a melhoria da infraestrutura para fazer o escoamento pelo Norte do país.

“Pelo Arco Norte, a gente só transporta 31,9% do que é produzido nessas regiões de novas fronteiras agrícolas, que inclui o centro-norte do país, em especial Mato Grosso, que é o maior produtor de soja e milho. Então há uma necessidade latente de se aumentar a infraestrutura de acesso a esses terminais e portos de forma que a gente possa ter um desempenho melhor no sentido de transportar esses produtos para os terminais que estão mais próximos a eles, ou seja, os terminais que compõem o Arco Norte”, pontua.

“Temos tudo para superar as questões judiciais da Ferrogrão e lançar na praça o edital. A Ferrogrão é um dos projetos de logística mais importantes do Brasil, estamos tocando com muita firmeza. Estamos falando de um investimento de grande porte. É uma ferrovia que vai ser o grande regulador de tarifa no Brasil”, declarou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em evento no início de julho sobre o balanço de ações da pasta referentes ao primeiro semestre deste ano, mas sem dar previsão de quando poderá acontecer.

O distrito de Miritituba possui estação de transbordo de carga, de onde os grãos podem ser distribuídos para terminais portuários do Arco Norte, como Itacoatiara (AM), Santana (AP), Barcarena e Santarém (PA), a fim de serem exportados.

Além disso, portos do Arco Norte continuarão recebendo grãos produzidos em Rondônia e no noroeste do Mato Grosso, escoados pela BR-364 até o terminal de Porto Velho, de onde são distribuídos para terminais que fazem a exportação. Essa rota não será afetada pela Ferrogrão.

Quando a ferrovia estiver funcionando, a assessora técnica da CNA Elisangela Lopes acredita que será possível escoar desde o começo pelo menos 20 milhões de toneladas de produtos. “Ou seja, já há uma mudança da geografia, do destino desses grãos, que hoje vão para o sul e sudeste, para os portos e terminais do arco norte. E até o final da concessão as projeções indicam um aumento superior ao dobro, chegando até 48 milhões de toneladas”.

(destacar) “Acreditamos sim que, se houver uma expansão da infraestrutura destinada a essas novas fronteiras agrícolas que cresceram a sua produção exponencialmente, porém não foram acompanhadas na mesma proporção com relação a investimentos em infraestrutura, é possível que haja um abortamento da produção. Então é necessário que se invista em infraestrutura, especialmente em infraestruturas de baixo custo”, reforça Elisangela Lopes.

Recuo dos impactos ambientais e entraves legais

Flávio Acatauassú, presidente da Associação dos Terminais Portuários da Bacia Amazônica (Amport), afirma que a Ferrogrão vai proporcionar o que ele denomina de “redenção” dos impactos ambientais causados pela BR-163. A rodovia foi construída na década de 1970 justamente para ligar o estado de Mato Grosso ao Pará.

“Toda vez que se abre uma rodovia, por menor que ela seja, cria-se as chamadas espinhas de peixe, que são aquelas vicinais transversais a essa rodovia troncal. Se nós insistirmos nos próximos 30 anos em transportar commodities ou qualquer outro tipo de mercadoria pelo modal rodoviário dentro do bioma amazônico vai ser inevitável a formação das espinhas de peixe, a grilagem e o desmatamento”, explica.

A ideia do governo é de que o projeto seja amplamente sustentável, sob critério técnico, econômico, social e ambiental.

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(destacar) “O que se busca é o equilíbrio para cada região, para cada contexto, uma solução diferente. Não é tudo ou nada, mas um equilíbrio na matriz que prima pela sustentabilidade em todos os seus componentes”, reforça Rose Hofmann, secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e à Desapropriação do PPI.

Mas o projeto enfrenta obstáculos judiciais. Em março deste ano, acolhendo pedido de liminar protocolado pelo partido PSOL, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos da lei 13.452/2017, resultante da Medida Provisória 758/2016, que modifica os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, o que acabou por paralisar os trâmites da Ferrogrão.

A decisão ainda será analisada pelo plenário da Corte. O ministro entendeu que o traçado da nova ferrovia cruzaria a unidade de conservação federal e que a alteração nos limites da área para possibilitar a obra não poderia ser tratada por meio de uma medida provisória.

Outro entrave envolve o Ministério Público Federal (MPF). A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do órgão emitiu uma nota técnica recentemente cobrando consulta prévia, “livre e informada” aos povos indígenas e comunidades atingidos pelo projeto.

No comunicado, o colegiado afirma que mesmo com a grandiosidade do projeto e os impactos socioambientais, não houve a oitiva dessas populações conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Essas pessoas têm direitos e esses direitos precisam ser preservados. Independente da gente questionar a relevância do empreendimento, a necessidade do empreendimento, o quanto o nosso país necessita de infraestrutura. O que está em discussão é um tratado internacional do qual o Brasil é signatário e foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico por uma norma também aprovada no Congresso Nacional”, explica a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e subprocuradora-geral da República, Eliana Torelly.

 

Entretanto, o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) entende que a consulta aos atores envolvidos deve ser feita no momento da elaboração do licenciamento ambiental. “E até isso a gente considera paralisado hoje em função dessa decisão do STF. Mas tão logo seja revertida, e tenho uma visão bem otimista, pois nós temos argumentos bem fortes em relação a isso, daremos prosseguimento ao debate e o leilão poderá acontecer naturalmente”, concluiu Rose Hofmann.