Desinformação sobre vacinas se comporta como epidemia

Especialistas avaliam os impactos de fake news na vacinação e médicos

Fonte: Vinícius Lisboa - Repórter da Agência Brasil* - Florianópolis

Brasília (DF), 15. 05. 2023 - Fake News, ou Notícias Falsas (termo traduzido), são conteúdos enganosos distribuídos deliberadamente e principalmente através de plataformas digitais e redes sociais, e têm por objetivo enganar a fim de obtenção de ganhos financeiros ou políticos. Normalmente vêm acompanhadas por manchetes sensacionalistas que chamam a atenção da população, que é impelida ao compartilhamento, amplificando ainda mais o processo enganoso. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Brasília (DF), 15. 05. 2023 - Fake News, ou Notícias Falsas (termo traduzido), são conteúdos enganosos distribuídos deliberadamente e principalmente através de plataformas digitais e redes sociais, e têm por objetivo enganar a fim de obtenção de ganhos financeiros ou políticos. Normalmente vêm acompanhadas por manchetes sensacionalistas que chamam a atenção da população, que é impelida ao compartilhamento, amplificando ainda mais o processo enganoso. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A enxurrada de desinformação que passou a circular na pandemia de covid-19 com mais força deixou sequelas, impactou serviços de saúde e se comporta como uma epidemia, avaliaram pesquisadores na Jornada Nacional de Imunizações, realizada em Florianópolis, pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). A diretora da SBIm e integrante do grupo consultivo da Vaccine Safety Net da Organização Mundial da Saúde, Isabela Ballalai, compara a desinformação à uma doença de fácil transmissão.

Sob censura, surto de meningite foi um dos primeiros desafios do PNI. Isabela Ballalai é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações. Foto: SBIm
Isabela Ballalai é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações. Foto: SBIm

“A desinformação pode causar doenças, pode matar, deve ser considerada uma doença e merece prevenção, vigilância, ações planejadas. A gente precisa acompanhar, diagnosticar. Contra um surto de sarampo, a gente não tem que planejar? É a mesma coisa”.

Organizar essa resposta se torna ainda mais importante porque movimentos antivacinistas se tornaram mais estruturados na América Latina com a pandemia de covid-19, recebendo inclusive recursos transnacionais. No caso do Brasil, esses grupos chegaram a contar também com apoio do governo de Jair Bolsonaro, que deu voz a antivacinistas em uma audiência pública promovida pelo Ministério da Saúde sobre a vacinação pediátrica contra a covid-19.

Isabela Ballalai chama a atenção para o planejamento de uma comunicação que chegue até as pessoas, uma vez que pacotes de internet mais baratos muitas vezes dificultam o acesso a páginas oficiais e fontes confiáveis de informação, mas garantem a comunicação por redes sociais, local em que conteúdos virais de desinformação circulam fortemente.

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“Os picos de desinformação e hesitação se dão quando há a divulgação de uma nova informação, uma nova política de saúde, ou relato de possível problema de saúde”, afirma.

“Esses grupos são muito estruturados e têm dinheiro”, acrescenta.

Estresse vacinal

Um exemplo emblemático desse padrão foi a campanha de desinformação contra a vacina do HPV no Acre, entre 2014 e 2019. A vacina é indicada para adolescentes de 9 a 14 anos, e é de grande importância para prevenir casos de câncer, como o cérvico-uterino. Episódios de reações à vacina, chamados de estresse vacinal,entretanto, levaram a uma forte campanha de desinformação que atribuiu falsamente à vacina o risco de causar paralisias e epilepsia.

O psiquiatra Renato Marchetti, professor da Universidade de São Paulo, explica que reações de estresse pós-vacinação têm como gatilhos dor, medo e ansiedade e podem se proliferar quando uma pessoa vê imagens ou testemunha outra pessoa sofrendo dessa reação. Esses sintomas afetam principalmente adolescentes do sexo feminino, são involuntários e se parecem com sintomas neurológicos, mas suas causas são psicossociais.

“Uma parte importante para o desfecho do estresse vacinal depende do conhecimento das pessoas que sofreram o problema, dos familiares, dos médicos e de outras pessoas da sociedade sobre o assunto. É preciso saber que existe a reação de estresse vacinal, que aquilo não é uma doença desconhecida, e, sim, um problema que pode acontecer também devido a outros tipos de estresse. A divulgação científica das reações psicogênicas seria um ponto importante”, avalia.

“A gente conviveu com muitos médicos que atenderam às meninas no Acre, e a maior parte deles não eram pessoas mal intencionadas. Eles [médicos] tinham dúvidas sobre o que estava acontecendo porque essa reação não é bem conhecida nem entre os médicos”.

Situações como essa são registradas desde a década de 1990, com diferentes vacinas, e principalmente durante a imunização escolar. Com a divulgação de imagens e relatos pela imprensa ou grupos contrários à vacinação, esses casos se alastram.

Foi o que ocorreu no Acre, em que imagens de adolescentes desmaiadas causaram forte temor e levaram até mesmo profissionais de saúde a contraindicarem a vacinação. O desconhecimento dos profissionais da imprensa e da saúde sobre as reações de estresse vacinal agravaram a situação. O temor e o pico de informação antivacina, explica Marchetti, causa um fenômeno chamado hesitação vacinal reativa transmissível, um surto de hesitação vacinal. No caso do Acre, a cobertura da vacina HPV chegou a menos de 1%.

“Toda vez que ocorre um evento com repercussão, você tem uma infodemia, uma propagação aguda que responde às mesmas modelagens matemáticas de uma epidemia de causas biológicas”, explica.

Até pediatras

A desinformação sobre as vacinas covid-19 pode ter aumentado a hesitação vacinal (relutância ou recusa) até mesmo entre pediatras, indica um estudo ainda em andamento com quase mil médicos brasileiros dessa especialidade.

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Por meio de entrevistas em que os profissionais declaravam concordar ou discordar de afirmações, os pesquisadores detectaram uma forte correlação entre a crença de que as vacinas contra a covid-19 ainda são experimentais e a desconfiança de que as vacinas não são seguras de forma geral.

A pesquisa é resultado de uma parceria entre a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Instituto Questão de Ciência (IQC), e busca produzir material direcionado à conscientização desses profissionais, recuperando sua confiança nas imunizações. Foram ouvidos 982 pediatras – 90% fizeram residência médica, 60% declararam que atuam nas redes pública e privada e 41% estavam com o calendário vacinal em dia.

Coordenador do trabalho e diretor de educação científica do IQC, Luiz Gustavo de Almeida apresentou que os pediatras se posicionaram sobre as seguintes afirmações: “as vacinas covid-19 em pediatria ainda podem ser consideradas experimentais”; “a vacina covid-19 de RNAm pode acarretar algum risco de modificação do DNA da criança”; e “a vacinação de crianças é fundamental, pois está é uma doença importante na pediatria que pode levar a casos graves”. As duas primeiras afirmações são falsas e frequentemente usadas em campanhas de desinformação. Já a terceira é verdadeira e comprovada por estudos científicos e autoridades sanitárias de diversos países.

Além das frases sobre as vacinas contra a covid-19, também foram apresentadas outras como “eu tenho total confiança de que as vacinas são seguras”; “a vacina tríplice viral causa autismo”; e a “a vacina HPV administrada na adolescência pode favorecer o início da vida sexual”. As duas últimas frases são mentiras usadas pelo movimento antivacinista.

“A covid abalou a confiança em todas as outras vacinas. Essa é a mensagem final que a gente tem no artigo. Por conta das vacinas da covid, alguns pediatras acabaram perdendo a confiança nas outras vacinas, como a de HPV”.

Almeida disse que a pesquisa constatou forte coesão entre todas as respostas contrárias à confiança nas vacinas, mostrando que a desconfiança propagada contra as vacinas covid-19 pode ter contaminado as crenças sobre outros imunizantes.

Residência médica

O estudo também pode indicar que profissionais que fizeram residência médica estão menos sujeitos a hesitar na recomendação de vacinas para seus pacientes. Os dados preliminares mostram que, entre o grupo minoritário que respondeu à entrevista demonstrando desconfiar das vacinas, a característica mais comum era a ausência de residência médica na formação.

Almeida explicou que os pesquisadores ainda estão debruçados sobre os dados para interpretá-los, mas as respostas já permitiram identificar dois perfis: um que concorda fortemente que as vacinas são confiáveis, e outro que se declara neutro em relação a isso ou discorda parcial ou integralmente. Esse segundo grupo somou cerca de 10% dos respondentes.

De acordo com Almeida, os pediatras estão entre o grupo médico que mais confia nas vacinas. Ele afirmou que a maioria dos que responderam o questionário é favorável à imunização. “Teve esses 10% que têm uma outra visão que não é a mais prevalente. E a ideia de formar esses perfis é munir [com informações] todos que têm dúvidas e não acreditam nas vacinas”.

Entre os que concordam fortemente que as vacinas são seguras, o perfil foi de profissionais que fizeram residência médica, não têm mestrado nem doutorado e atuam nas redes pública e privada. Almeida afirma que uma hipótese dos pesquisadores é que a vivência dos serviços de saúde durante a residência médica reforça a confiança de que as vacinas são seguras e importantes para prevenir doenças.

“Isso é algo que ainda estamos discutindo. Quem passou direto da faculdade para o atendimento talvez não teve esse contato principalmente com o atendimento na rede pública”,diz. “Quem não fez residência pode ter visto nos jornais, mas não viu crianças sofrendo em hospitais”.

*O repórter viajou para Florianópolis a convite da Sociedade Brasileira de Imunizações

Edição: Carolina Pimentel

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