Um estudo inédito da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) mostra que quase 1 milhão de brasileiros (968.512 pessoas) recorreram ao day trade durante a pandemia de COVID-19 – e perderam, em conjunto, R$ 9,9 bilhões entre 2020 e 2023 (sem considerar nenhum custo de corretagem, gasto com cursos e plataformas etc). A prática, vendida por corretoras e influencers como oportunidade de renda rápida em meio ao confinamento e à crise, funcionou, na verdade, como um mecanismo de transferência massiva de recursos das pessoas físicas para as instituições financeiras.
A pesquisa, recém-publicada na Revista Brasileira de Finanças, analisou dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e mostra que, no auge da pandemia, até 100 mil pessoas faziam day trade diariamente. A perda bruta média foi de R$ 10,2 mil por indivíduo. “A pandemia expôs em escala inédita a vulnerabilidade de indivíduos que, diante da incerteza econômica, recorreram ao day trade como alternativa de renda. O resultado foi uma transferência maciça de recursos das pessoas físicas para as instituições”, destacam os autores, Fernando Chague e Bruno Giovannetti.
Como o estudo não considera em nenhum de seus cálculos os gastos que as pessoas tiveram com corretagens, taxas da bolsa, cursos e plataformas, as perdas das pessoas físicas foram ainda maiores do que os R$ 9,9 bilhões (R$ 10,2 mil per capita).
Os dados indicam que o day trade resulta consistentemente em perdas financeiras agregadas para os investidores pessoas físicas. No período pré-pandemia, 95,8% dos dias registraram resultado negativo para as pessoas físicas, percentual que aumentou para 96,4% após março de 2020. Ou seja, independentemente do contexto, quase todos os dias as instituições financeiras extraem valor das operações realizadas pelas pessoas físicas – após a pandemia as perdas agregadas diárias se tornaram maiores devido ao aumento expressivo no número de pessoas operando.
Perda em R$ por ocupação
A pesquisa indica que a amostra de investidores não se restringe a um grupo social, etário ou regional, específico, mas abrange um espectro amplo da população. Profissões ligadas ao setor administrativo e de negócios concentram parte relevante dos participantes, como administradores (12,1%), empresários (6,9%), analistas de sistemas (4,3%) e engenheiros (4,4%). Ao mesmo tempo, há presença significativa de ocupações associadas a menor renda média, como vendedores (2,8%), motoristas (1,4%), cabeleireiros (0,6%) e feirantes (0,5%). Grupos como aposentados (1,5%) e estudantes (3,4%) também aparecem com destaque, sugerindo que o day trade atraiu tanto jovens em busca de oportunidades rápidas quanto pessoas mais velhas já afastadas do mercado de trabalho formal.
Os administradores perderam em média R$ 16,6 mil; os empresários, R$ 18,6 mil; e os engenheiros, R$ 12,5 mil. Entre os estudantes, a perda média foi de R$ 3,6 mil, enquanto entre aposentados, R$ 16,5 mil.
Os investidores com profissões mais bem remuneradas foram os que tiveram as maiores perdas. Médicos arcaram com o prejuízo médio de R$ 34,9 mil; os odontologistas, R$ 17 mil; procuradores, R$ 37,8 mil; e tabeliões, R$ 86 mil.
Por outro lado, categorias de menor renda média, como cabeleireiros, eletricistas, empregados domésticos, motoristas e porteiros, perderam em média R$ 5,5 mil, R$ 4,9 mil, R$ 4,2 mil, R$ 3,7 mil e R$ 2,7 mil, respectivamente. Os montantes são menores em termos absolutos, mas com impacto potencialmente mais severo em relação à renda individual.
De acordo com o estudo, esse episódio serve de alerta quanto ao risco de que novos choques econômicos ou sociais – como crises de emprego, novas pandemias ou avanços tecnológicos que facilitem ainda mais o acesso a instrumentos complexos de negociação – voltem a induzir um grande contingente de indivíduos a estratégias especulativas com elevado potencial de destruição de riqueza.