A gestão dos resíduos da construção civil (RCC) no Brasil ainda enfrenta gargalos estruturais. Embora o país disponha de tecnologia e capacidade instalada para reciclar até 50 milhões de toneladas por ano, o volume efetivamente reaproveitado não passa de 10 milhões — apenas 21% do total gerado. Segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), em 2024 foram produzidos cerca de 48 milhões de toneladas de entulho, o que representa até 60% dos resíduos sólidos urbanos.
De acordo com o pesquisador Laerte Scavavacca Jr, da Embrapa Meio Ambiente, o setor da construção civil, responsável por 10% do PIB e 15% dos empregos formais do país, convive com custos adicionais de 10% a 30% nas obras em razão da má gestão dos resíduos. Cada real investido em novas habitações gera retorno econômico de R$ 2,46 e cria mais de 18 empregos diretos, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Apesar da relevância, quase metade dos resíduos (45%) ainda é descartada irregularmente, em áreas não licenciadas.
A estrutura legal que regula o setor é robusta, mas a aplicação segue desigual. A Resolução Conama nº 307/2002, complementada pela nº 469/2015, define diretrizes para o gerenciamento do RCC. Já a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) distribuiu metas de redução e reciclagem e o princípio da responsabilidade compartilhada entre poder público, empresas e consumidores. Na prática, no entanto, há falta de fiscalização e de indicadores nacionais que limitam o alcance dessas normas.
O pesquisador explica que a maior parte dos resíduos gerados vem de concreto, argamassa, cerâmicas e tijolos — materiais inertes que poderiam ser amplamente reaproveitados. A principal rota tecnológica de reciclagem é a produção de agregados reciclados (AR), usados em pavimentação, bases e sub-bases de rodovias, blocos, pisos e artefatos não estruturais. Estima-se que 70% a 85% dos resíduos reciclados sejam usados em obras de infraestrutura, 10% a 20% na fabricação de artefatos de cimento e até 10% em aplicações especiais, como níveis concretos e muros de contenção.
A Região Sudeste concentra 65% de cerca de 300 usinas de reciclagem de RCC no país, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro. Ainda assim, a taxa média regional de reciclagem é de apenas 20%. Pesquisadores e entidades do setor apontam como principais entraves os altos custos de transporte, a falta de escala das usinas e a baixa acessibilidade dos agregados reciclados pelo mercado da construção.
Estudos exploram alternativas tecnológicas recentes, como o uso de resíduos em geossintéticos, asfalto-borracha e concretos estruturais de baixo teor, em conformidade com as normas como a NBR 15116. Outra tendência é a adoção de usinas móveis instaladas próximas às obras, redução de custos logísticos e emissões de CO₂.
“Para que o país avance na economia circular do setor, especialistas recomendam cinco ações prioritárias: fortalecer a aplicação das resoluções do Conama, criar políticas de compras públicas que priorizem materiais reciclados, cultivar plantas móveis regionais, padronizar certificações e ampliar pesquisas sobre novos materiais”, acredita Scanavacca.
“A reciclagem de RCC no Brasil tem potencial para reduzir significativamente o consumo de recursos naturais e os impactos ambientais da disposição limitada. Mas, para transformar esse potencial em resultados concretos, o país precisa focar políticas públicas, inovação tecnológica e incentivos econômicos que tornem o reaproveitamento de resíduos uma prática estrutural da construção civil”, alerta o pesquisador.
 
							














 



