“Estamos aqui pelos nossos territórios”, afirmam as lideranças indígenas ao desembarcarem em Brasília, na segunda-feira, dia 20 de outubro. Até a próxima sexta-feira (24), a delegação, com cerca de 60 lideranças indígenas do Pará e Mato Grosso, realizará incidências em órgãos dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Faz parte das incidências a presença em uma sessão de julgamento da Suprema Corte e a cerimônia de entrega da minuta que pede a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV), um passo fundamental para o reconhecimento dos crimes cometidos contra os povos indígenas durante a ditadura militar (1964–1985).
As lideranças reivindicam a demarcação, desintrusão e proteção de seus territórios tradicionais. Do Supremo Tribunal Federal (STF) e de seu recém-empossado presidente, Edson Fachin, os indígenas cobram a conclusão do julgamento de repercussão geral que trata dos direitos constitucionais dos povos indígenas e pedem a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, conhecida como “Lei do Marco Temporal”.
“Estamos aqui pelos nossos territórios”
A delegação é composta pelos povos: Manoki, Arara do Guariba, Chiquitano, Boe Bororo, Guarani de Cocalinho, Xerente do Araguaia, Kanela do Araguaia, Xatagaka, Yudja Juruna, Apyawa Tapirapé, Ynã Karajá, Wassu, Myky, Xavante de Marãiwatsédé, Kayabi, Nambikwara, Krenak-Makacali, do Mato Grosso; e Arara, do Pará.
“Somos vários povos, mas um só sangue: indígena. Estamos aqui para falar do que a gente passa lá nos nossos territórios, cobrar pelas nossas vidas”, afirma o ancião e cacique Siravé Kayabi.
A delegação reivindica desintrusão dos territórios que estão invadidos por fazendeiros, garimpeiros, caçadores, madeireiros, pescadores e posseiros. Cobram proteção aos territórios e dos povos indígenas que vivem em situação de isolamento voluntário. Também solicitam aos órgãos do Estado que identifiquem as áreas de Terras Públicas da União e as destinem para os povos indígenas e suas comunidades que não têm terra, fruto do esbulho possessório que os povos enfrentam há décadas no Brasil.

A invasão do agronegócio nas terras indígenas, estimulada pelas políticas de incentivos fiscais do Estado, tem criado um cerco aos povos indígenas com desmatamento, plantações de monocultivo, criação de gado e pulverização de veneno. “E ainda a gente ouve que o fazendeiro precisa ser indenizado para sair da nossa terra. Eles é que deveriam pagar pela destruição — pela matança dos rios, pela destruição da mata e pelo uso do mercúrio na mineração ilegal”, denuncia a cacica Rosines Manoki.
Entre 2023 e 2024, o desmatamento na Terra Indígena Cachoeira Seca, do povo Arara, que integra a delegação que está em Brasília, saltou de 795 hectares (ha) para 1.149 ha, um crescimento de 45%. dados do sistema de monitoramento Sirad X, Segundo dados do sistema de monitoramento Sirad X, do Instituto Socioambiental (ISA), a Cachoeira Seca está entre as poucas terras indígenas do país onde a destruição avançou, ocupando o 4º lugar no ranking geral da Amazônia.
A alta ocorrência de fogo, usado para expulsar os indígenas de suas áreas, também é uma ameaça. “Na TI Cachoeira Seca, a área queimada quase dobrou em 2023 (11.625 ha), em comparação com 2022, como reflexo da ocupação para criação de gado e consolidação de áreas desmatadas”, lista a nota técnica divulgada por organizações indígenas e indigenistas na última sexta-feira (17).
A demora na regularização dos territórios indígenas estimula novos invasores. A construção de rodovias e hidrovias, e a insegurança territorial são fatores listados pelas lideranças como responsáveis por agravar sofrimentos intensos e agudos desses povos, com impactos seríssimos na saúde mental, o que leva a uma emergência de saúde psicossocial nestas comunidades.

Outra reivindicação da delegação é a criação da “Comissão da Verdade Indígena”, com o objetivo de levantar os crimes cometidos contra os povos indígenas durante a Ditadura Militar no Brasil, bem como dar visibilidade às injustiças sofridas por esses povos e buscar meios de reparação dos crimes por nós sofridos.
No mês em que a Constituição Federal completa 37 anos, essa é a quarta delegação indígena a desembarcar na capital federal, todas com o mesmo pedido: demarcar e proteger as terras e as vidas indígenas, bem como a inconstitucionalidade da Lei do Marco Temporal.