Acidente grave de Sky Brown, de 11 anos, reabre debate sobre segurança no skate

Fonte: GLOBOESPORTE.COM

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Foto: Julio Detefon

No dia 1 de junho, a pequena Sky Brown sofreu um acidente grave quando praticava num halfpipe. A anglo-japonesa de apenas 11 anos foi terceira colocada no Mundial de Park no ano passado, é número 3 do ranking olímpico e considerada uma promessa do Reino Unido no skate. Ela treinava na pista do lendário Tony Hawk, quando deixou escapar o skate dos pés e caiu no vão entre uma parede e outra. A queda foi de uma altura de pouco mais de 4 metros. O susto foi grande e reabriu um antigo debate sobre a segurança na modalidade, que fará sua estreia nas Olimpíadas de Tóquio 2020, adiadas para o ano que vem devido à pandemia do novo coronavírus. Na véspera do Dia Mundial do Skate (21/06), o GloboEsporte.com abre o debate sobre a segurança numa modalidade que atrai cada vez mais crianças e jovens.

De acordo com o pai da pequena skatista, ela teve sorte de sobreviver ao acidente. Stewart contou que segurou a filha ensanguentada no colo enquanto eles esperavam a chegada do helicóptero que a levou para o hospital. Ela foi operada e teve alta poucos dias depois. Agora, faz sua recuperação em casa.

Quem anda de skate sabe que cair é parte do jogo. É parte, inclusive, do aprendizado: cair e levantar. Há técnicas para aprender a pousar sem efeitos colaterais, mas, nem sempre é possível evitar se machucar, como no caso de Sky Brown. E a questão fica ainda mais delicada quando se fala em menores de idade. O protocolo de segurança das Olimpíadas de Tóquio para a modalidade prevê o uso obrigatório de capacete para menores de idade.

– Existe um perigo inerente, normal, assim como atravessar rua. Quem não entende e vê um tombo pode ficar incomodado, assim como tem gente quando vê luta. Nós temos essa identidade, andamos com responsabilidade, mas os tombos são inerentes ao esporte. É levando tombo que evoluímos, mas faz parte. O skate será um lifestyle (estilo de vida), independentemente dos Jogos. Agora a lupa está voltada ao skate, mas é um tombo que faz parte. Eu já tomei tombo assim quando criança e tantos outros – falou o multicampeão Bob Burnquist, que foi presidente da Confederação Brasileira de Skate.

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Bob Burnquist tem uma Megarrampa em sua casa na Califórnia, nos Estados Unidos e, segundo ele, há uma “pré-seleção de habilidade”, além de ser obrigatório o uso de capacete, acompanhado dos pais caso seja menor de 18 anos. De acordo com o lendário skatista, acaba que “só os amigos andam”.

– Nos EUA, há pistas que obrigam uso de equipamento de segurança para menores de 18 anos e outros para todos. Alguns deixam como recomendação, deixando a decisão para o skatista usar ou não. É preciso aprender a cair. Tomar os passos corretos, sem atropelar. Não pular as etapas. Pegar base e tudo o mais – comentou.

É comum ver crianças no topo do skate mundial. A japonesa Misugu Okamoto, de 13 anos, é a atual campeã mundial de Park. O Brasil, por exemplo, tem Rayssa Leal, a Fadinha do skate, de 12 anos, como uma de suas principais competidoras do Street. E há outros atletas com menos de 18 anos. Presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), Eduardo “Duda” Musa explicou que a entidade tem alguns protocolos para proteger os skatistas, sobretudo crianças e adolescentes.

– Os protocolos de segurança que a CBSk coloca em seus encontros e em eventos homologados são os mesmos da World Skate (a Federação Internacional). A gente tem a obrigação do uso de capacete e equipamentos de segurança para menores de 18 anos, que é o critério adotados pelos eventos internacionais. E os pais dos menores precisam assinar documentos autorizando a participação. Todos os eventos têm os protocolos médicos, obrigatoriedade da presença de ambulância e médicos socorristas no local – falou.

Para Duda, acidentes como o de Sky Brown não depõem contra a imagem do skate. Trata-se, segundo ele, de um “esporte de competição de atletas de alto nível que tem sua preocupação” como qualquer outro. Ainda que jovens, são “atletas de alto nível desempenhando seu papel, que estão preparados para isso”.

Na internet, muitas pessoas criticaram Tony Hawk por deixar a jovem Sky Brown andar em sua pista sem cuidados maiores, como, por exemplo, colchões de proteção. Outros fizeram críticas aos pais da menina. Contudo, é preciso ressaltar que a anglo-japonesa frequentemente treina no local. O próprio Tony comentou o assunto e explicou o acidente, negando que ela tenha tentado fazer a transição no vão entre os paredões:

– Esclarecendo alguns conceitos errados sobre o acidente da Sky: eu não estava lá, eu não filmei e não ajudei a fazer vídeos sobre isso. Ninguém a forçou a tentar ou fazer nada. Pela minha experiência, digo que ela está altamente motivada e é um desafio constante tentar limitar seus objetivos. Ela não estava tentando saltar sobre o vão nesse caso; ela julgou mal sua posição após uma manobra e, acidentalmente, saiu da borda, baseado no que vi. Seria o mesmo que voar para fora de uma rampa de vertical normal após ficar desorientada com uma manobra prévia.

A lenda do skate lamentou o incidente e explicou que, em 20 anos, nunca houve nada parecido.

– Não há almofadas entre os intervalos do canal porque não autorizamos skatistas inexperientes a andar nessa pista e quem tentar pular não aterrissará no meio. Temos essa rampa há 20 anos e nada perto disso aconteceu nesse tempo todo. Seus ferimentos não foram exagerados. Dois dos meus funcionários estavam no escritório adjacente naquele momento. Eles foram lá ajudar e ainda estão traumatizados com a experiência. Eu dirigi direto para o hospital quando soube, e o cenário era horrível. Ainda estou impressionado com a rápida recuperação diante de seus ferimentos, mas ela ainda tem um longo caminho pela frente. Especulações e acusações não vão ajudá-la ou à sua família. Ela é uma skatista incrivelmente talentosa e eu desejo a mais rápida recuperação – completou.

Além disso, nos Jogos Olímpicos e em competições do calendário internacional do skate, não há a possibilidade de fazer transições no vão entre dois paredões, nem em pistas de Street, nem de Park, que é a modalidade da pequena competidora. No Brasil, como ressalta o presidente da CBSk, as pistas privadas costumam ter o cuidado com a obrigatoriedade do uso de equipamentos de proteção por menores de idade.

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Pai do skatista Pedro Barros, o empresário André Barros tem uma pista em casa e costuma receber as pessoas para praticar por lá. Ele garante que, para que menores andem por lá, é preciso usar o capacete. Em outras particulares de Florianópolis, em Santa Catarina, também existe a obrigação, bem como pedido de autorização dos pais dos menores.

– O nível do skate está muito alto. O índice de acidentes aumentou muito e, com isso, temos que mudar alguns costumes . O Pedro mesmo usou capacete até o momento em que virou profissional e campeão mundial. Era importante para a evolução dele, além da proteção. Depois de um certo nível, o skatista aprende com muita eficiência a cair. Acidentes podem acontecer, como foi o caso da Sky. Ela podia ter se machucado seriamente, mesmo com o capacete, mesmo sem bater a cabeça, mas foi um episódio isolado – opinou.

Curador técnico de vários eventos da CBSk, André Barros falou que há conversas sobre a questão da idade mínima nas Olimpíadas e em eventos do Circuito Mundial. Hoje, não há restrição, somente é preciso ter a autorização dos responsáveis e o capacete.

– Hoje não tem mínimo. Isso é muito ruim, porque além dos riscos físicos e vitais eminentes, tem o fator psicológico. Uma criança tem que ter uma vida de criança, não de um profissional. Estamos caminhando para isso. No Brasil, a CBSK fez um conselho com pessoas importantes do skate brasileiro, como Cezar Gordo, Felipe Vital, Eduardo Dias, Bob Burnquist e eu. Estamos discutindo intensamente sobre isso. Estudamos muito sobre preservar a criança, não antecipar sua idade real. Ser profissional exige uma responsabilidade que não deve ser atribuída a uma criança. No Brasil, nem escola em casa tem, como em outros países (homeschooling). Não queremos, por exemplo, uma evasão escolar – comentou.

Membro da seleção brasileira de skate e 13ª colocada no ranking olímpico de Park, Yndiara Asp, que provavelmente será uma das representantes do país nas Olimpíadas, concorda com a questão da idade mínima. Ela explicou também que, em todos os torneios que participa, sejam da World Skate ou da CBSk, os menores são obrigados a utilizar o capacete.

– Acredito que isso possa acontecer (o estabelecimento da idade mínima). Acho interessante, acho que é importante que os mais jovens tenham o tempo para crescer e amadurecer antes de enfrentar a responsabilidade de competir as Olimpíadas – opinou.