O Brasil convive com uma escalada preocupante da inadimplência. Em agosto de 2025, 71,78 milhões de brasileiros estavam com o nome negativado, número que corresponde a cerca de 43% da população adulta, segundo levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do SPC Brasil. O dado mais alarmante, porém, é a reincidência: 83,95% das negativações no mês foram de consumidores que já haviam figurado no cadastro de devedores nos últimos 12 meses.
O indicador mostra ainda que 62,63% dos reincidentes permaneciam com dívidas antigas em aberto e foram novamente negativados, enquanto 21,32% chegaram a quitar pendências, mas retornaram ao cadastro. Apenas 16,05% dos negativados de agosto eram de fato novos devedores. O ciclo de endividamento é rápido: o tempo médio entre o vencimento de uma dívida e a próxima negativação foi de apenas 75,6 dias, pouco mais de dois meses.
Nos últimos 12 meses encerrados em agosto, o número de reincidentes cresceu 5,18% em relação ao período anterior. Para o presidente da CNDL, José César da Costa, os números refletem a gravidade do cenário econômico e social. “O alto número de devedores reflete não apenas a dificuldade individual de milhões de famílias em honrar seus compromissos, mas também impacta o consumo, o crédito e o crescimento econômico do país como um todo. Essa crescente ‘bola de neve’ de dívidas, impulsionada por juros altos e um cenário macroeconômico desfavorável, se torna um ciclo vicioso difícil de ser quebrado, deixando o brasileiro em situação de vulnerabilidade e fragilizando ainda mais a economia nacional”, afirmou.
O perfil dos reincidentes reforça a dimensão do problema. A faixa etária entre 30 e 39 anos segue sendo a mais representativa, com 25,81% do total, enquanto a distribuição por sexo se mantém equilibrada: 53,60% mulheres e 46,40% homens.
Recuperação de crédito em queda
Se, por um lado, cresce a reincidência, por outro, diminui a capacidade de recuperação financeira. O Indicador de Recuperação de Crédito de Pessoas Físicas do SPC Brasil registrou queda de 12,59% nos 12 meses encerrados em agosto de 2025, em comparação com o mesmo período anterior. A retração foi ainda mais acentuada entre consumidores que levaram de quatro a cinco anos para pagar suas dívidas, grupo que apresentou queda de 21,40% na recuperação.
O perfil de quem conseguiu limpar o nome em agosto mostra predominância da faixa entre 50 e 64 anos (22,58%). A divisão por gênero se manteve equilibrada, com 52,01% mulheres e 47,99% homens. O valor médio quitado por consumidor foi de R$ 2.721,26, embora a maioria (56,18%) tenha regularizado débitos de até R$ 500, evidenciando que a recuperação ainda é restrita a dívidas de menor porte.
Para o presidente do SPC Brasil, Roque Pellizzaro Júnior, o cenário acende um alerta vermelho. “A queda na recuperação de crédito é um sinal de alerta relevante. O indicador evidencia que o tempo médio para quitação das dívidas é longo e que a maior parte dos acordos envolve valores relativamente baixos. Isso mostra uma recuperação lenta e insuficiente para solucionar, de fato, a situação financeira do consumidor no longo prazo. Com juros altos, o poder de compra e a capacidade de negociação ficam ainda mais comprometidos, comprimindo a renda e afastando a possibilidade de estabilidade financeira. Como consequência, cresce o risco de exclusão financeira, em que milhões de brasileiros permanecem à margem do mercado de crédito”, avaliou.
Desafio estrutural
O retrato exposto pelos indicadores revela um duplo desafio: de um lado, consumidores que entram e permanecem em ciclos repetidos de endividamento; de outro, dificuldades cada vez maiores para recuperar crédito e voltar a participar plenamente da economia formal. O resultado é uma trava estrutural ao crescimento econômico e à mobilidade social, que só poderá ser superada por meio de ações conjuntas entre mercado, governo e programas consistentes de educação financeira.