Tecnologia brasileira garante pureza e origem do mel de abelhas sem ferro

Método da Embrapa reforça rastreabilidade, valoriza produtos nativos e abre caminho para certificações sustentáveis ​​na meliponicultura

Fonte: Assessoria/Marcos Vicente

Dois novos processos industriais desenvolvidos por pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente (SP) prometem transformar o controle de qualidade do mel de abelhas sem ferro no Brasil. As tecnologias baseadas em espectroscopia no infravermelho próximo (NIR), alcançaram 100% de acurácia tanto na identificação de adulterações — como a adição de xaropes de açúcar na alimentação das colmeias — quanto na determinação da espécie de abelha produtora do mel, um avanço inédito para a rastreabilidade e a valorização comercial desses produtos.

Os resultados foram obtidos em um projeto coordenado por Aline Biasoto e Cristiano Menezes, pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente, com a participação da parceria científica de Edson Rezende, proprietário do Entreposto Vida Natural, e de Carolina Santos Silva, pesquisadora do Centro de Pesquisa Técnica da Finlândia – VTT, Finlândia.

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Os protocolos operacionais desenvolvidos no estudo respondem a uma lacuna da legislação brasileira, que ainda não dispõe de abordagens específicas para garantir a origem e a pureza do mel nativo. A inovação representa um marco para a profissionalização da meliponicultura e para a proteção do consumidor final.

O uso combinado das duas tecnologias promete impactar diretamente a cadeia produtiva, uma vez que deve beneficiar entrepostos e produtores, facilitando a implantação de sistemas de controle de qualidade e rastreabilidade com baixo custo operacional. O equipamento utilizado, de fabricação chinesa, custa R$ 30 mil (com taxas de importação) e pode ser compartilhado entre cooperativas ou associações de produtores.

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Além de reduzir custos, o método tem potencial para substituir análises físico-químicas tradicionais, que excluem reagentes e geram resíduos. “O potencial de inovação é enorme. Estamos falando de uma tecnologia portátil, limpa e adaptada à realidade do pequeno produtor”, avalia Biasoto.

Já Menezes pondera que a rastreabilidade e a comprovação de origem tendem a agregar maior valor comercial ao mel nativo, ampliando o acesso a mercados especializados.

Identificação de adulterações

O primeiro processo foi desenvolvido para detectar adulterações nomel da espécie Scaptotrigona depilis (popularmente conhecida como Mandaguari). Foram comprovadas 60 amostras coletadas de colmeias instaladas na sede da Embrapa, em Jaguariúna (SP).

Durante o estudo, as abelhas foram alimentadas com xarope de sacarose por períodos de 15 e 60 dias, simulando práticas comuns de suplementação em épocas de escassez de néctar.

A análise foi realizada por meio da espectroscopia NIR acoplada à técnica estatística PLS-DA ( Partial Least Squares Discriminant Analysis — método que utiliza regressão multivariada para classificar amostras). O modelo apresentou resultados com alto grau de acurácia, sensibilidade e especificidade, identificando corretamente todas as amostras adulteradas e não adulteradas, mesmo em casos de diluição parcial.

Segundo Aline Biasoto, o principal diferencial do método é a simplicidade de uso e o potencial de aplicação direta em entrepostos de mel. “A técnica é rápida, não destrutiva e pode ser operada diretamente por cooperativas e produtores, sem necessidade de reagentes químicos ou processos demorados”, explica.

Espécie de produto também pode ser identificada

O segundo processo, também baseado na espectroscopia NIR, permite identificar a espécie de abelha responsável pela produção do mel — uma demanda crescente nos mercados gourmet e de origem controlada, tanto no Brasil quanto no exterior.

Foram demonstradas amostras de mel das espécies Apis mellifera, Tetragonisca angustula (Jataí) e Melipona quadrifasciata (Mandaçaia), coletadas de produtores do estado de São Paulo e de colônias mantidas pela Embrapa, em Jaguariúna, SP. Os modelos estatísticos alcançaram 100% de precisão, distinguindo de forma inequívoca as espécies de origem, em metodologia rápida, não destrutiva e sustentável”.

Ela explica que a identificação da espécie produtora é essencial uma vez que o mel de abelhas sem ferro apresenta grande variação de sabor, diversidade e propriedades medicinais, dependendo da espécie e da região de coleta.

“Com esse processo, é possível garantir a identidade do mel desde a origem, fortalecer a rastreabilidade e viabilizar selos de procedência e certificações de origem controlada”, destacou a pesquisadora.

Potencial para certificação e exportação

Cristiano Menezes ressalta a biodiversidade do Brasil, país que abriga a maior diversidade de abelhas sem ferro do mundo, com centenas de espécies conhecidas, e destaca que o mercado internacional demonstra interesse crescente por produtos sustentáveis ​​e de origem comprovada. Nesse contexto, as novas tecnologias desenvolvidas pela Embrapa se alinham às metas de inclusão produtiva e agregação de valor da meliponicultura brasileira.

A implementação de protocolos de verificação de pureza e origem é vista como um passo decisivo para a internacionalização dos produtos nativos e para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à rastreabilidade e à valorização dos saberes tradicionais associados às abelhas nativas.

“É um caminho promissor para profissionalizar a atividade, proteger o consumidor e consolidar a confiança do mel brasileiro como um produto de excelência”, resume o pesquisador da Embrapa.

Espécies de abelhas comprovadas

Apis mellifera — Conhecida como “abelha europeia”, é a espécie mais comum na apicultura convencional. Produz grandes volumes de mel, mas não é nativo do Brasil. Possui ferro e comportamento defensivo. Seu mel tem sabor adocicado e é amplamente comercializado.

Tetragonisca angustula (Jataí) — Espécie nativa e sem ferro, muito comum em ambientes urbanos e rurais. Produto de sabor ácido e floral, valorizado por suas propriedades medicinais.

Melipona quadrifasciata (Mandaçaia) — Também nativa, apresenta comportamento dócil e produz mel aquoso e de sabor intenso e amadeirado. É uma das espécies preferidas na meliponicultura.

Scaptotrigona depilis (Mandaguari) — Espécie utilizada em testes de adulteração. Produz mel levemente amargo, viscoso e muito aromático, típico de abelhas sociais sem ferro.

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Jornalista formado (DRT 0001781-MT), atua no CenárioMT na produção de conteúdos sobre política, economia, esportes e temas do agronegócio em Mato Grosso. Com experiência consolidada na redação e apuração regional, busca entregar informação clara e contextualizada ao leitor. Aberto a pautas e sugestões. Contato: [email protected] .