A aquicultura brasileira está ganhando um retrato mais preciso e abrangente. Quatro equipes da Embrapa Territorial percorreram, entre os dias 6 e 10 de outubro, cerca de 3.483 km nos estados do Acre, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais e Rio Grande do Sul para confirmar, em campo, a presença de atividade aquicola em pontos previamente identificados por sensoriamento remoto. O objetivo é refinar os dados do mapeamento da aquicultura brasileira em viveiros escavados, cuja cobertura foi ampliada de 513 para 1.442 municípios.
A ação é reforçada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e permitirá identificar onde se concentram os empreendimentos aquicolas no País, desde produções de pequena até larga escala, subsidiando políticas públicas para o setor. Além da validação dos pontos de produção, as equipes também coletaram dados sobre estrutura produtiva, manejo, regularização do uso da água e principais desafios enfrentados pelos produtores.
A escolha dos estados levou em conta a diversidade regional da aquicultura no Brasil. Uma equipe foi direcionada para cada região do País, considerando a logística facilitada pela proximidade com unidades da Embrapa que prestaram apoio institucional com empréstimos de veículos para a expedição, chamada de “ Rally da Aquicultura”. Os mais de 100 viveiros visitados foram selecionados com base na localização (municípios que integram o G75 estadual, ou seja, aqueles responsáveis por 75% da produção aquícola em cada estado) e nos diferentes graus de certeza da existência de atividade aquícola, abrangendo pontos considerados como confirmados, duvidosos e altamente incertos.
Cada localidade mostrou cenários bastante diferentes e evidenciaram quão complexa é a aquicultura brasileira.
Para a chefe-adjunta de Pesquisa da Embrapa Territorial, Lucíola Magalhães, coordenadora do estudo, os dados confirmados revelam uma atividade altamente heterogênea, que varia não apenas por tipo de tanque ou espécie cultivada, mas também por questões econômicas, climáticas, estruturais e culturais. Há desde pequenos tanques artesanais usados para atualização, autoconsumo e comércio local, até propriedades com infraestrutura sofisticada.
Magalhães ressalta que o mapeamento da aquicultura no Brasil vai além de uma tarefa técnica de reconhecimento territorial via imagens de satélite. “Ao contrário, trata-se de uma jornada profunda de entendimento sobre o País, seus contrastes e as realidades locais que moldam, e, muitas vezes, dificultam a produção aquicola nacional. É um Brasil de múltiplas realidades”, afirmou.
Fernanda de Paula, secretária Nacional de Aquicultura do MPA, considera que o aprimoramento do mapeamento da aquicultura brasileira em viveiros escavados, com a verificação direta em campo, representa um avanço crucial para obter dados mais precisos e confiáveis sobre o setor, suas potencialidades e desafios, permitindo a formulação de políticas públicas mais estratégicas e direcionadas à sustentabilidade e ao desenvolvimento dos produtores.
Acre
No Acre, o analista André Farias e o bolsista Rafael Vidoti percorreram longas distâncias, muitas vezes por estradas de terra batida, para chegar aos locais de criação. As visitas evidenciaram que a aquicultura no estado é majoritariamente de pequena escala e bastante dispersa. A identificação dos viveiros, segundo a equipe, é especialmente solicitada, pois os tanques escavados apresentam formatos irregulares e não seguem padrões geométricos no estado, o que dificulta o uso de sensoriamento remoto para mapeamento automático. “É impossível mapear a aquicultura do Acre com métodos tradicionais”, afirmou Farias.
Entre os produtores vendidos, muitos deles interromperam a produção de peixes ou estavam com os tanques ociosos. O principal obstáculo apontado foi o alto custo da ração, agravado pela ausência de produção local de milho e soja, seus componentes. Como os insumos vêm de outros estados, como Rondônia e Mato Grosso, o custo do frete tornou-se uma entrada adicional à atividade.
Uma particularidade observada no Acre foi a prática da produção consorciada de espécies, com a criação simultânea de três a cinco tipos de peixes no mesmo tanque – como tambaqui, pirarucu, piau, curimatã e pirapitinga. Esse modelo contrasta com outras regiões do país, como o Paraná, onde predomina a monocultura da tilápia.
Além disso, foi observado que, em grandes propriedades, os tanques são usados apenas como atividade complementar à pecuária, que segue como principal atividade agropecuária do estado.
Minas Gerais
O analista Marcelo Fonseca e o bolsista Lucas Antunes visitaram propriedades em quatro municípios de Minas Gerais: Esmeraldas, Caeté, Funilândia e Jequitibá. Nas localidades percorridas, constataram que a aquicultura ainda está longe de se consolidar como uma atividade econômica estruturada. A grande maioria dos tanques é de pequena escala, voltada ao lazer ou autoconsumo, com uso esporádico ou mesmo completamente abandonado. Mesmo os pontos anteriormente mapeados como unidades potenciais produtivas estavam, atualmente, desativados.
Segundo o levantamento da Embrapa, os principais fatores que levaram à desativação das unidades foram questões climáticas, insegurança e frustração com o retorno financeiro. Um dos casos mais emblemáticos é o de um produtor que investiu cerca de R$ 10 milhões em uma estrutura completa, com tanques, frigorífico e câmara fria – atualmente, tudo está paralisado. Ele apontou a falta de apoio institucional e de mão de obra entregue como principais entraves.
Outro produtor relatou ter abandonado os tanques após furtos de peixes. A ausência de assistência técnica contínua também foi mencionada por diversos produtores como um fator determinante para a resistência da atividade.
A equipe da Embrapa também encontrou situações inusitadas, como um tanque construído para batismo religioso e propriedades de lazer com estruturas sofisticadas, incluindo chalés e capelas, mas esses tanques atualmente são usados apenas para recreação ou para a sobremesa animal.
Rio Grande do Sul
O analista Hilton Ferraz e o bolsista Flaviano Fernandes percorreram as regiões norte e noroeste do Rio Grande do Sul e constataram dois perfis distintos de uso dos tanques: um mais tradicional e extrativista, baseado em açúcares naturais, e outro voltado para a produção comercial estruturada. Eles também observaram que a atividade produtiva estava equipada com equipamentos de bom acesso à água, organização no manejo e escoamento da produção para mercados locais e feiras.
No perfil extrativista, eles constataram, o uso dos tanques é mais esporádico e voltado para subsistência ou lazer. Também foi observado que muitos açúcares e áreas alagadas contêm peixes, mas sem manejo técnico, o que aumenta o desafio de classificar corretamente os usos produtivos apenas com base em imagens.
Em termos de infraestrutura, a diversidade foi grande, passando de galpões com câmaras frias até pequenas lagoas com canoas de pesca. A comercialização, nos casos em que há produção ativa, foi apontada como positiva, com facilidade de escoamento. No entanto, a sazonalidade e o clima seguem como entraves à estabilidade da produção.
Além disso, foi uma das dificuldades mais mencionadas pelos produtores, que relataram perdas graves durante os períodos mais frios.
Nordeste
Em Alagoas e Sergipe, o cenário foi positivo, com aquicultura técnica organizada, com forte integração ao mercado. Lucíola Magalhães e o bolsista José Galdino percorreram 656 km para visitar 27 áreas aquícolas, onde a atividade foi concluída em quase todos os pontos. A maioria dos tanques estava ativa e voltada para a produção de peixes, como tilápia, tambaqui e xira (curimatã-pacu), além do camarão.
Nas regiões visitadas, houve contrastes. No entorno de Arapiraca predominava a produção de camarão de água salgada, o vanammei ( Litopenaeus vannamei). Já na região de Propriá e margens do São Francisco, a produção em tanques escavados era mais diversificada, combinando camarão vanammei, peixes e arroz e, em uma única propriedade, camarão da Malásia – uma espécie de água doce e com boa acessíveis no mercado de Sergipe, segundo o produtor. Na região de Pacatuba e Brejo Grande, uma equipe encontrou a produção de camarão e arroz, em tanques de peixes escavados, e peixes em lagoas naturais externas ao autoconsumo ou comércio local.
A presença integrada de arroz e camarão chamou a atenção da equipe. “Foi interessante entender que os tanques escavados para a produção de camarão também são usados para produção de arroz, especialmente na época das chuvas, quando a salinidade das águas diminui. Alguns produtores decidem fazer esse uso alternativo do tanque aproveitando, também, as oportunidades de mercado. Isso nos dá uma nova visão da região e que tem impacto no método de classificação das imagens, permitindo melhorias no processo de uso desse uso da infraestrutura”, destacou Magalhães.
A comercialização também se mostrou bem estruturada, com escoamento para o Ceasa de Maceió, mercados em Sergipe e outros centros urbanos da região. A maioria dos produtores produz boa condução da atividade, sem grandes dificuldades. Os que enfrentam entraves destacaram questões como acesso ao crédito rural, assistência técnica e licenciamento ambiental. Também foram relacionadas dificuldades pontuais na comercialização, acesso à água (dependência da chuva ou desativação de um dos ramais dos canais de supervisão do São Francisco), falta de energia elétrica e rodoviária.
Apoio Institucional
Magalhães também destaca uma parceria com o IBGE para o sucesso do Rally da Aquicultura . As instituições são parceiras na geração de dados sobre a atividade para apoiar os trabalhos do próximo censo agropecuário. A troca de dados e informações permitiu uma primeira validação no gabinete dos dados, o que foi útil na seleção das áreas a serem visitadas em campo.
Além disso, as equipes contaram com o apoio da Embrapa Alimentos e Territórios, Embrapa Acre, Embrapa Milho e Sorgo e Embrapa Trigo, que forneceram carros para a expedição.
Mapeamento da Aquicultura
A primeira versão do levantamento de baterias de viveiros nos municípios que responderam por, aproximadamente, 75% da produção de cada estado do País. A área de estudo abrange 930 mil km2 em 513 municípios. Esse grupo correspondeu aos municípios responsáveis por 75% da produção em cada estado (G75) em 2016 de acordo com os dados da Pesquisa Pecuária Municipal (PPM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) .
Agora, com apoio do MPA, a Embrapa Territorial está atualizando e ampliando o mapeamento. Os municípios foram selecionados a partir de três critérios: municípios do G75 de cada estado em 2022; os que estavam no G75 em 2016; e o G75 estadual das lâminas d’água destinadas para aquicultura, conforme o Censo Agropecuário de 2017 . A equipe também mapeou todos os municípios da Zona Costeira do Brasil, adicionando ao trabalho novos 346 municípios em uma área adicional investigada de 337.051 km².