Estudos orientam estratégias de conservação da erva-mate frente às mudanças climáticas

Fonte: Assessoria/Manuela Bergamim

erva mate cultivo
Foto: Katia Pichelli

A erva-mate (I lex paraguariensis), espécie nativa do Brasil e símbolo cultural do Sul do País, tem sua existência intimamente ligada ao bioma Mata Atlântica. No entanto, as mudanças climáticas representam uma ameaça sem precedentes à sua sobrevivência. A Embrapa Florestas (PR) vem desenvolvendo estudos estratégicos para entender e mitigar os impactos das mudanças climáticas sobre essa espécie. Um deles, no âmbito do Projeto Araucamate , alerta para uma redução de até 96,4% das áreas climaticamente projetadas à espécie até 2070, dependendo do cenário de emissões de gases de efeito estufa.

Já outro estudo, publicado no periódico Agrometeoros, utilizou uma técnica de modelagem de nicho ecológico, que consiste em considerar camadas de clima e sistema de informação geográfica a pontos de ocorrência da erva-mate, que permite montar dados futuros de clima. Estes trabalhos apontam que a erva-mate tende a se concentrar, no futuro, em regiões de maior altitude, onde as temperaturas permanecem mais baixas. A modelagem de nicho ecológico permitiu identificar não apenas a distribuição atual, mas também projetar como a espécie responderá ao aquecimento global.

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“Com o aumento da temperatura, a tendência é que o ambiente fique menos favorável para o desenvolvimento da espécie, que deve sobreviver em algumas áreas, mas sofre grande perda de diversidade biológica, além da redução drástica do número de habitantes”, explica o pesquisador Marcos Silveira Wrege , líder do projeto.

A intervenção da erva-mate

Erva mate produtor Rodolfo Buher
Produção de Erva Mate no município de Ivaí no interior do Paraná. Foto: Rodolfo BUHRER

No Brasil, a erva-mate ocorre em quatro regiões distintas, em uma ampla faixa de distribuição na Região Sul do País, abrangendo parte da Região Sudeste e uma pequena área da Região Centro-Oeste (sul do estado de Mato Grosso do Sul). Uma dessas regiões está localizada na metade do sul do Rio Grande do Sul (com inverno bastante frio e excedente hídrico e verão bastante quente, com déficit hídrico).

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A erva-mate também é distribuída na região serrana do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná (clima mais estabilizado ao longo do ano, não que se refere às chuvas e tem um balanço hídrico mais favorável). A espécie é encontrada no Mato Grosso do Sul, que possui o clima do Cerrado, mais quente, com seis meses de estação seca definida e seis meses de estação chuvosa. Já a quarta região se localiza nas partes de maior altitude do Rio de Janeiro (Itatiaia, por exemplo).

Ou seja, a erva-mate é encontrada em diferentes ecossistemas (Floresta Ombrófila Mista, Floresta Ombrófila Densa Montana, Floresta Estacional Decidual e Semidecidual e os biomas Pampa e Mata Atlântica). “A adaptação da espécie às diferentes espécies indica uma grande plasticidade adaptativa, superior à da araucária, que ocorre junto à erva-mate nos ecossistemas citados anteriormente”, afirma a pesquisadora da Embrapa Florestas Elenice Fritzsons .

Estratégias de Conservação

Erva mate Cevad Campo

A caracterização climática detalhada da área de ocorrência natural da erva-mate permite direcionar a coleta de germoplasma para a conservação da diversidade genética. Por meio de expedições para unidades de conservação e fragmentos florestais, foram coletadas amostras de DNA e sensações de ambientes naturais em diferentes regiões do país, representando quatro grupos climáticos distintos. Focou-se em trânsito localizado nas bordas de distribuição – onde a variabilidade é maior e o risco de extinção é iminente.

“Como vai haver redução de área de ocorrência da espécie, por ser de clima frio e, considerando que o planeta está esquentando, nas zonas marginais onde ela ocorre hoje, são programas áreas de diversidade maior genética e nas quais é esperado mais aquecimento do clima. Por isso, é preciso priorizar o resgate de material genético nessas áreas”, explicam os pesquisadores.

“Conservar materiais de cada grupo garante que tenhamos recursos genéticos para programas de melhoramento futuros, transferência de tolerância a calor, seca e doenças”, afirma Ananda Virginia de Aguiar , pesquisadora envolvida no projeto. Essas ações integradas – que incluem a criação de bancos ativos de germoplasma e a identificação de áreas prioritárias para conservação – visam garantir a resiliência e a disponibilidade de recursos genéticos para as futuras gerações e para a cadeia produtiva do mate.

“A Embrapa tem uma quantidade específica, mas ainda falta material. Os resultados mostram diferenças grandes entre as espécies de cada região. Por isso, precisamos de investimentos para pesquisar mais, por exemplo, no Rio Grande do Sul, que têm populações muito representativas, segundo nossas análises genéticas”, afirma.

Erva mate Agricultores familiares
Agricultores familiares cultivam a espécie na Região Sul

Zoneamento agrícola da espécie: uma demanda urgente

Na última década, o uso de modelos de nicho ecológico permitiu a projeção, por diferentes grupos de pesquisa, da distribuição futura da espécie em diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa, com resultados convergentes entre si, mas preocupantes. Em nossos estudos, identificamos que as áreas climaticamente projetadas poderão ser reduzidas em até 71,7% em 2050, e 96,4% em 2070 no cenário mais pessimista, o que se constitui em um cenário de alerta. No Brasil, a tendência é que a espécie se concentre progressivamente em regiões de maior altitude. Os municípios da Serra Catarinense, que hoje registram as temperaturas mais baixas do País, surgem como refúgios climáticos essenciais para a conservação da espécie. “Por isso é necessário realizar o zoneamento agrícola contratado ao Ministério da Agricultura e Pecuária ( Mapa ) para a espécie, buscando identificar zonas onde ela tem melhor condição climática para se desenvolver”, aponta Wrege.

De acordo com Márcia Toffani Simão Soares , pesquisadora da Embrapa e integrante do projeto, avanços nesse sentido deficiência da ampliação da base de informações obtida no próprio ambiente de cultivo como, por exemplo, aprimoramento do registro de dados nacionais de produção, ampliação do monitoramento climatológico na região de ocorrência da espécie, entre outros dados. “As ferramentas preditivas devem considerar anomalias macroclimáticas, como as provocadas pelo El Niño e La Niña, historicamente associadas a eventos extremos no Centro-Sul do País”, acrescenta.

Plasticidade e Vulnerabilidade

A erva-mate é uma espécie de grande plasticidade, capaz de se adaptar a diferentes condições climáticas – desde o nível do mar até 1.700 metros de altitude. No entanto, ela depende de temperaturas baixas para completar o seu ciclo de vida. Com o aumento médio previsto entre 1,8°C e 6,3°C até o final do século, populações localizadas em regiões de baixa altitude e latitude podem entrar em colapso.

Da Pesquisa ao Produtor: Tecnologias para o Futuro

Erva mate preparo de amostras

Além da conservação, os estudos climáticos subsidiam a indicação de áreas prioritárias para plantio e seleção de materiais genéticos mais adaptados a condições extremas. “No futuro, essas pesquisas podem contribuir também com uma seleção de modelos silviculturais mais adequados a cada situação pedoclimática, garantindo maior proteção do solo e das culturas a eventos climáticos atípicos”, diz Toffani. “Estamos correndo contra o tempo. As mudanças estão ocorrendo 20, 30 anos antes do que estava planejado. Então, daqui a 50 anos as mudanças terão sido muito grandes. Mas com planejamento e investimento em conservação, ainda é possível garantir um futuro para a erva-mate e para todos que dependem dela”, adverte Wrege.

Aumento da temperatura

Segundo o relatório mais recente ( Sexto Relatório de Avaliação – AR6 ) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ( IPCC ), publicado em 2023, os cenários de aumento de temperatura até o final do século podem variar bastante, de acordo com o nível de ação adotado. No cenário menos pessimista (forte mitigação, SSP1-1.9), a temperatura média global pode se estabilizar em cerca de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e pressupõe cortes drásticos nas emissões de gases de efeito estufa e transição rápida para energias limpas, o que até o momento não está sendo feito.

No cenário mais pessimista (altas emissões contínuas, SSP5-8.5), a temperatura pode subir até 4,4°C até 2100, com impactos severos e irreversíveis em escala global. É o cenário mais provável de ocorrer, se nada mudar. “O planeta já está com temperatura média elevada em 1,1°C e, a cada aumento mínimo de temperatura, intensificam-se os eventos climáticos extremos, como as ondas de calor, as estiagens e as chuvas intensas”, explica Wrege.

Erva mate copia

Calculadora de carbono em Erva-mate

Com o objetivo de medir os estoques de carbono e as emissões de gases de efeito estufa (GEE) durante o cultivo de erva-mate, a Embrapa Florestas e a Fundação Solidaridad desenvolveram uma calculadora de carbono, a Carbon Matte . A tecnologia fornecerá melhor compreensão sobre a relação entre a produção da erva-mate e a mitigação das emissões de GEE, por meio do armazenamento de carbono.

A ferramenta poderá ser utilizada como um instrumento de gestão de propriedades rurais e empresas para contabilizar emissões de GEE e estoques de carbono a partir das práticas de manejo e auxiliar nas tomadas de decisão. Além disso, apoiará processos de certificação ou rotulagem de produtos ambientalmente sustentáveis, bem como mensurar ativos ambientais e contribuirá para atingir as metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável ( ODS 13 ) da Organização das Nações Unidas ( ONU ), relacionadas à mudança global do clima.

Os primeiros resultados obtidos com a calculadora apontam para um balanço de carbono negativo, ou seja, retirada de CO2 da atmosfera e armazenamento no sistema produtivo, e poderão subsidiar iniciativas de apoio à preservação da erva-mate, como é o caso do Programa Nacional de Cadeias Agropecuárias Descarbonizantes ( Programa Carbono + Verde ), do Mapa. “A ferramenta de projeto permitirá quantificar a contribuição dos sistemas de produção da espécie para a mitigação das emissões de GEE, além de testar padrões de práticas de manejo que resultem em cenários mais promissores para a qualidade ambiental”, observa a pesquisadora Josileia Zanatta.

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Formado em Jornalismo, possui sólida experiência em produção textual. Atualmente, dedica-se à redação do CenárioMT, onde é responsável por criar conteúdos sobre política, economia e esporte regional. Além disso, foca em temas relacionados ao setor agro, contribuindo com análises e reportagens que abordam a importância e os desafios desse segmento essencial para Mato Grosso. Cargo: Jornalista, DRT: 0001781-MT