Muro é uma construção feita para separar. Ou proteger. Em tempos de pandemia e isolamento social, faz com que as pessoas fiquem ainda mais separadas. Mas nada que uma dose de criatividade e outra de saudade possam diminuir a distância proporcionada por tijolo e cimento. Os idosos Lenisse Germânia e Antônio Zico, moradores de um bairro na região da Pampulha, em Belo Horizonte, que o digam.
Eles e uma das bisnetas, Alice, de apenas 5 anos, têm feito apresentações de dança, música e teatro para divertirem uns aos outros sem se importarem com o muro que os separa. A família toda se emociona a cada show particular. Até uma roupa especial, à prova de coronavírus, eles prepararam para abraçar a pequena.
E tudo é devidamente registrado, em vídeos que estão fazendo sucesso no grupo de WhatsApp da família e entre amigos.
“Nem imaginava que os vídeos poderiam fazer tanto sucesso! Meu marido até falou comigo: ‘Imagina só, você tá famosa. Daqui a pouco vai ter paparazzi chegando no portão (risos)’ Olha pra você ver!”, comentou dona Lenisse.
Ela tem 75 anos. O marido, 81. Estão casados há 58 anos. Têm dois filhos, oito netos e dois bisnetos – mais quatro estão a caminho. Uma filha mora em Caeté. Diz a dona Lenisse que ela costuma visitar os pais durante a pandemia e trazer “algumas coisinhas”, mas sempre de máscara e respeitando o distanciamento. Sem abraços. O outro filho mora colado na casa da mãe. E é a filha dele, Alice, que está levando doses e mais doses de alegria ao casal de idosos.
Bisavós do tipo “super babões” costumavam curtir muito a pequena. Brincando muito, aproveitando os cerca de seis metros que tem o quintal da casa deles. Mas veio a pandemia. E tiveram que dar um “jeitinho” para não morrerem de saudade, mesmo morando ao lado. Se falam pelo muro, por onde também assistem às apresentações da bisneta – que parece ter puxado o lado artístico do casal, que fazem parte de um grupo de teatro de pessoas da maior idade.
Dona Lenisse conta que tem aproveitado o tempo para ler e costurar as fantasias da próxima apresentação que fariam. Seria mês passado. Foi adiada para setembro, se a pandemia assim o permitir. Entre uma costura e outra, se prepara para se apresentar, junto com o marido, para a neta. E curte as apresentações da Alice.
“Não acho tão terrível assim. Vejo tanta gente reclamando… Cada dia inventamos alguma coisa. Gosto muito de escrever textos de teatro para a terceira idade. Quando canso, como adoro artesanato, eu mesma faço as roupas para a peças de teatro”, comentou.
Do outro lado do muro, Alice curte as performances dos bisavós. E as apresentações são filmadas e compartilhadas.
A diversão para o casal sempre foi alegrar as pessoas. Por isso, se apresentam, gratuitamente, em asilos, grupos de convivência, postos de saúde e escolas. A pandemia os fez paralisar as atividades. Quem ganhou com isso foi a bisneta.
Agora, eles aproveitam o tempo de isolamento se divertindo em casa e alegrando quem está do outro lado da telinha do celular. Uma prova de que é possível estar confinado e se sentir livre. Basta ter criatividade. Um ótimo exemplo para ajudar a enfrentar essa quarentena.
“A bisneta alegra a vida da gente. Pra não ficar perto, ficamos pelo muro. Colocamos as frutas num balaio, que fica dependurado. E conversamos com ela pelo muro. Alice é muito esporta, ativa. A gente procura conversar sobre teatro, e ela faz show cantando em inglês com a gente. Nos faz muito feliz”, finalizou Antônio Zico.