Uma solução natural e acessível pode ser útil para ganhar espaço no manejo da piscicultura brasileira. Pesquisadores da Embrapa Pesca e Aquicultura (TO), descobriram que cápsulas de alho (Allium sativum) vendidas em farmácias demonstraram eficácia no combate às parasitas que atacam alevinos de pirarucu (Arapaima gigas), peixe símbolo da Amazônia e de alto valor comercial. Uma alternativa pode reduzir perdas na produção, melhorar o bem-estar animal e diminuir a dependência de produtos químicos no setor.
O estudo, publicado na revista científica Veterinary Parasitology , mostrou que as cápsulas de alho foram capazes de reduzir significativamente a presença de dois inimigos comuns dos alevinos: os protozoários tricodinídeos e o verme das brânquias Dawestrema cycloancistrium . Essas parasitas podem causar mortalidade em grande escala nos criadores de pirarucu, uma das espécies mais cultivadas no país. O tratamento pode ser utilizado de forma complementar ao uso do sal de cozinha, comumente utilizado em criações de alevinos.

A pesquisa foi coordenada pela pesquisadora Patrícia Oliveira Maciel Honda, da Embrapa, em parceria com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS). O projeto recebeu financiamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Os tricodinídeos são protozoários de célula única, unicelular. Já os monogeneas são um helminto, conhecido como verme das brânquias. Ambos são comuns de serem encontrados em brânquias e no corpo de alevinos de pirarucu e podem levar cartões inteiros à morte.
A pesquisa utilizou diversas concentrações do alho para ao tratamento: 2,5 mg; 5mg; 7,5mg e 10 mg por litro, expondo os peixes a 4 dias em banhos estáticos. No combate às monogeneas, houve uma redução de 33,5% a 42,9%, mesmo com a utilização de doses mais baixas – que, por sua vez, também não promoveram nenhum tipo de toxicidade nos peixes.
“A intensidade de D. cycloancistrium nas brânquias foi significativamente reduzida nos peixes tratados em comparação ao controle (animais que não receberam tratamento), mas não foram observadas diferenças entre as concentrações testadas, demonstrando que as menores doses são eficazes”, destaca o pesquisador.
No caso dos tricodinídeos, o experimento conseguiu uma eficácia de 77% para a dosagem de 5mg/L em 4 dias de tratamento, com redução dos protozoários nas brânquias.
A metodologia da pesquisa
As cápsulas de alho de farmácia têm duas apresentações. Cápsulas de mil miligramas (mg) e cápsulas de 500 mg de alho. A partir dessas apresentações, os pesquisadores testaram diferentes doses. “Colocamos, por exemplo, duas cápsulas de 1000 mg e uma cápsula de 500 mg em um litro de água, e medimos para termos as concentrações de teste. Dessa forma, chegamos à dose de 2,5 mg por litro”, detalha Maciel.
Os peixes naturalmente infectados foram deixados em protetores com água e alho por 96 horas. Após esse período, foi coletado o sangue dos alevinos e foi raspado o muco dos animais para a verificação dos protozoários mortos. Os pesquisadores também verificaram as monogeneas presentes nas brânquias.
“Para a quantificação dos protozoários tricodinídeos no muco que estavam mortos após a exposição ao alho, utilizamos um corante que penetra nas células mortas. Então, levamos uma amostra de muco ao específico e contamos como de coloração azul, indicadora da morte do organismo”, explica um cientista da Embrapa.
No caso, dos tricodinídeos, foi constatado que nas três maiores dosagens (5 mg/litro, 7,5 mg/litro e 10 mg/litro) houve uma quantidade maior de tricodinas mortas em comparação ao grupo controle. Para monogeneas, foi revelado que todas as concentrações utilizadas, desde a menor, com 2,5 mg/litro, até 10mg/litro provocaram uma redução significativa na carga de parasitos em relação ao grupo de controle.
Alternativa fitoterápica sem efeitos adversos registrados
“Não foram observadas mortalidade ou alterações comportamentais dos alevinos de pirarucu durante o experimento. Os resultados sugerem que o alho pode ser uma alternativa fitoterápica promissora para o manejo de ectoparasitas na piscicultura, particularmente na concentração de 5,0 mg/L por quatro dias de exposição”, sublinha a pesquisadora ao contar que, embora o alho tenha efeito imunoestimulante, não foi identificado esse benefício nos peixes analisados.
Momento ideal do tratamento
A pesquisadora lembra que a reprodução do pirarucu não é causada; ou seja, os alevinos são coletados em viveiros após a reprodução natural do casal, o que acaba favorecendo com que os alevinos carregam parasitos – e são geralmente os ectoparasitos monogeneas e os tricodinídeos e os parasitos internos nematóides os principais que são encontrados.
O momento ideal para a aplicação do tratamento com o alho é durante o treinamento alimentar do pirarucus, quando os produtores colocam os alevinos em caixas d’água ( foto à esquerda ) ou estruturas semelhantes para ensiná-los a comer ração. Nesse momento, é importante observar se os peixes apresentam alguma sintomatologia, algum sinal clínico da doença, tais como inapetência, flashing (ficar se raspando nas laterais do tanque, como estava se coçando), apatia, ficar isolado do grupo. As brânquias podem ficar pálidas porque o peixe é anêmico. Isso porque as monogeneas se alimentam de sangue e células epiteliais do seu hospedeiro. Os animais também podem apresentar melanose, um esclarecimento da pele.
“Quando são identificados peixes nesse estado, o ideal é descartá-los e tratar o lote restante, de modo profilático, porque quando o animal apresenta esses sinais clínicos, finalmente tem cura”, alerta o pesquisador.
É possível confirmar a presença de parasitos em exames específicos ópticos, e o ideal é realizar o diagnóstico precoce. Uma vez identificados os parasitos, já deve-se iniciar o tratamento com alho durante o treinamento alimentar.
Segundo a médica veterinária, outro momento adequado para realizar o tratamento com alho é quando os alevinos são recolhidos dos viveiros e vão ser transportados. Geralmente os peixes veem do viveiro com alguma carga parasitária. “Esse tipo de manejo geralmente estressa o peixe, impedindo seu sistema imunológico. Nesse período de aclimatação e preparação para o transporte também seria indicado fazer o uso do alho de forma profilática”, diz ela.
“O óleo de alho demonstrou ser eficaz no controle desses parasitos, com destaque para a concentração de 5,0 mg/L, que também não induziu toxicidade significativa”, afirma. No entanto, mais pesquisas são úteis para melhor compreensão de seu uso no campo. Maciel defende mais pesquisas nessa área e maior disponibilidade de produtos aprovados para a aquicultura, com a respectiva avaliação de custos.
A Embrapa está aberta a parcerias com indústrias para desenvolver esse e outros fitoterápicos para a aquicultura. Empresas interessadas podem entrar em contato pelo e-mail: [email protected] .
Estudos já comprovaram a eficácia do sal de cozinha
Segundo Patrícia Maciel, embora não tenha sorte uma pesquisa específica avaliando a eficácia do uso do sal e do alho usados conjuntamente no tratamento de parasitos na aquicultura, ela coordenou um estudo anterior publicado no Journal of Fish Diseases que comprovou a eficácia do cloreto de sódio no combate do parasita monogenea Dawestrema cycloancistrium no pirarucu.
A pesquisa foi realizada em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e contorno com o financiamento do Sebrae.
Na ocasião, foi testado o sal e o triclorfon, um produto químico muito utilizado em pisciculturas. Os testes avaliaram banhos curtos e longos.
Os banhos longos foram de 24 horas de exposição, 10g de sal por litro. Foram dois banhos com intervalo de 24 horas, com duração total do tratamento de três dias.
Já nos banhos curtos, os peixes ficaram numa solução de 12 g de sal por litro durante 4 horas de banho, uma vez por dia durante 4 dias.
O triclorfon foi testado com a mesma posologia, ou seja, a mesma forma de administração, mudando apenas a dose que foi de 5 mg do quimioterápico por litro.
“A nossa pesquisa constatou que a eficácia do sal foi de 91% nos banhos curtos. Nos banhos longos foi de 99%, porém houve maior mortalidade de peixes. Já para o triclorfon a eficácia foi de 84% para os banhos curtos e de 97% para os banhos longos, também com maior mortalidade”, explica ela. “Concluímos que o banho longo não é indicado para o peixe que está muito parasitado, pois o animal está debilitado e não resiste ao tratamento”, conclui a pesquisadora.
Outros estudos
O uso de fitoterápicos na aquicultura tem sido amplamente estudado como alternativa para o controle de ectoparasitas em peixes.
Pesquisa recente da Embrapa Amapá revelou que óleos essenciais extraídos de plantas amazônicas mostraram-se eficazes no controle de parasitas que atacam as brânquias (monogeneas) do tambaqui (Colossoma macropomum), espécie nativa mais cultivada no País. A pesquisa aponta para uma alternativa natural ao uso de quimioterápicos, abrindo novas perspectivas para práticas mais sustentáveis na piscicultura brasileira.
O trabalho analisou óleos essenciais de três espécies do gênero Piper: P. callosum , P. hispidum e P. marginatum . Os dois primeiros resultados positivos na redução da infestação por vermesmonogeneas, responsáveis por comprometer a saúde dos peixes. Já o terceiro não declarou a mesma efetividade no tratamento.
A investigação foi conduzida sob a coordenação do pesquisador Marcos Tavares Dias, da Embrapa Amapá, em colaboração com a Universidade Federal do Amapá (Unifap) e a Embrapa Amazônia Ocidental (AM). O estudo contorno com financiamento do CNPq , por meio do Edital Universal