Uso de organismos vivos para proteger plantas cresce no Brasil

Fonte: Assessoria/Cristina Tordin

foto embrapa

O mercado global de produtos de biocontrole movimentou US$ 8,2 bilhões em 2023 e deve atingir US$ 25,7 bilhões até 2030, segundo a consultoria Research and Markets. O Brasil lidera esse crescimento. Dados da empresa Kynitec mostram que a área potencial tratada com agentes de biocontrole passou de 35 milhões de hectares na safra 2021/2022 para 58 milhões em 2023/2024 — alta de mais de 29% em cinco anos.

O destaque vai para os bionematicidas, responsáveis ​​por 47% da área tratada, à frente dos bioinseticidas (36%) e biofungicidas (17%). Em culturas como soja, milho e algodão, o uso de bionematicidas já supera ou de produtos químicos. Em 2015, eles representavam apenas 6% do mercado nacional. Em 2022, atingiram 75%, enquanto os nematicidas químicos despencaram de 94% para 25%. Apesar do avanço, os bioprotetores ainda representam apenas 4% do total de produtos fitossanitários utilizados no Brasil, o que revela um enorme potencial de expansão.

Entre os agentes de biocontrole mais importantes e amplamente comercializados estão os fungos: Trichoderma spp., Beauveria bassiana , Metarhizium anisopliae , Isaria fumosorosea , Clonostachys rosea e as bactérias Bacillus subtilis , Bacillus amyloliquefaciens , Bacillus licheniformis , Bacillus metilotrophyus , Bacillus velezensis e Bacillus thuringiensis.

Esses organismos combatem patógenos do solo e da parte aérea, com diferentes modos de ação. Trichoderma, por exemplo, envelhece por parasitismo, competição, antibiose e estímulo à defesa da planta. Já as espécies de Bacillus se destacam pela capacidade de formar biofilmes, produzir metabólitos antimicrobianos e induzir resistência sistêmica.

No Brasil, Trichoderma responde por cerca de 17% da área tratada com bioprotetores e Beauveria , por 16%. O grupo mais abrangente, no entanto, é o das espécies de Bacillus, que cobrem aproximadamente 25% da área protegida.

O que são bioprotetores?

Os bioprotetores vêm ganhando protagonismo como solução estratégica para o controle de doenças em plantas. Mais do que substituem agrotóxicos, esses produtos baseados em organismos vivos — como fungos, bactérias, vírus e até ácaros — atuam de forma inteligente, protegendo as culturas agrícolas sem agredir o meio ambiente, a saúde dos agricultores e dos consumidores.

Diferentemente dos chamados “fungicidas ou biofungicidas”, que pressupõem a morte do patógeno, os bioprotetores atuam por outros mecanismos, como competição, parasitismo, antibiose e indução da resistência da planta. Por isso, o termo bioprotetor tem sido cada vez mais defendido por especialistas como o mais protegido para englobar os diversos tipos de ação desses organismos. Em vez de eliminar o agente causador da doença, muitos bioprotetores fortalecem as defesas naturais da planta, competem por nutrientes e espaço estabilizando o ambiente e prevenindo o surgimento de novos surtos.

A definição mais aceita de controle biológico de doenças considera a redução das atividades determinantes da doença por meio da ação dos organismos vivos, excluindo-se o homem. Esse controle pode ocorrer de forma natural, conservacionista, clássica (introdução de inimigos naturais) ou aumentativa (aplicação em larga escala). Em qualquer uma dessas abordagens, os bioprotetores desempenham papel central.

Eles podem incluir microrganismos avirulentos, plantas melhoradas geneticamente, organismos antagonistas de patógenos e até produtos naturais derivados desses seres vivos. Seu uso pode ser integrado às práticas culturais, com o objetivo de criar ambientes mais desenvolvidos à planta e menos propícios à doença. Em muitos casos, os bioprotetores não “matam” o patógeno, mas interferem na sua reprodução ou impedem que causem danos à planta.

Novos agentes e tecnologias ampliam fronteiras

Nos últimos anos, pesquisadores passaram por uma exploração de agentes não tradicionais como bioprotetores, incluindo Micovírus: vírus que infectam fungos e reduzem sua virulência. Já são utilizados em países como a China para o controle do crestamento do castanheiro, bacteriófagos: vírus que atacam bactérias específicas, sem afetar seres humanos ou animais. Têm potencial para o controle de doenças bacterianas em plantas, ácaros predadores e micófagos: como Orthotydeus lambi e Ricoseius loxocheles , que atuam no controle de oídio da videira e ferrugem do cafeeiro, respectivamente. A criação desses organismos em laboratório e o desenvolvimento de formulações compatíveis com os defensivos agrícolas são desafios que precisam ser superados para ampliar seu uso comercial.

O desenvolvimento de um novo bioprotetor exige um processo rigoroso de seleção, envolvendo etapas como avaliação da cultura e da doença-alvo, isolamento de organismos antagonistas no ambiente de interesse (por exemplo, semiárido brasileiro), testes de eficácia em laboratório e campo, produção massiva e formulação estável e integração ao sistema produtivo. Essa abordagem permite selecionar agentes adaptados às condições locais e às necessidades específicas dos agricultores. O caso do controle do mofo-branco da soja com Trichoderma e Bacillus ilustra a importância de integrar o bioprotetor ao manejo agrícola, incluindo culturas subsequentes.

Política pública impulsionando bioinsumos e inovação

Criado em 2020, o Programa Bioinsumos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) tem papel fundamental na ampliação do uso de bioprotetores no país. O programa promove produtos e tecnologias de origem biológica que favorecem o crescimento das plantas, melhoram a saúde do solo e contribuem para a sustentabilidade dos sistemas agropecuários.

Segundo o decreto que criou o programa, bioinsumos são produtos ou tecnologias de origem vegetal, animal ou microbiana que interferem positivamente no crescimento e defesa das plantas, e que podem ser utilizados na produção, armazenamento e beneficiamento de alimentos.

De acordo com o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Wagner Bettiol, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para consolidar o uso de bioprotetores no Brasil, como desenvolver bioherbicidas para reduzir o uso de químicos no controle de plantas comuns, ampliar a diversidade de microrganismos disponíveis comercialmente, produzir fungos em sistemas mais sustentáveis ​​(como mistura líquida), desenvolver produtos adaptados às mudanças climáticas e que aumentam a eficiência do uso de nutrientes, abrir coleções microbianas públicas para empresas e pesquisadores desenvolverem novos produtos, investir em formação técnica e científica de profissionais da cadeia dos bioinsumos.

“A substituição de agrotóxicos por bioprotetores não é apenas uma tendência de mercado — é uma resposta à demanda por práticas agrícolas mais conscientes, seguras e resilientes. Ao proteger as plantas sem comprometer o meio ambiente, os bioprotetores restauram o equilíbrio dos agroecossistemas, envolvem a exposição de trabalhadores rurais a produtos tóxicos e oferecem alimentos mais seguros aos consumidores”, explica Bettiol.

“Com ciência, políticas públicas e inovação trabalhando em conjunto, o Brasil tem tudo para seguir como líder mundial no desenvolvimento e uso de bioprotetores. E, mais do que isso, tem a oportunidade de construir uma agricultura com menos veneno e mais vida”, conclui o pesquisador.

Formado em Jornalismo, possui sólida experiência em produção textual. Atualmente, dedica-se à redação do CenárioMT, onde é responsável por criar conteúdos sobre política, economia e esporte regional. Além disso, foca em temas relacionados ao setor agro, contribuindo com análises e reportagens que abordam a importância e os desafios desse segmento essencial para Mato Grosso. Cargo: Jornalista, DRT: 0001781-MT