Em Mato Grosso, Sonia Guajajara celebra a realização da última etapa do Ciclo COParente

O intuito é instalar os marcos físicos nos limites da Terra Indígena, cuja ocupação tradicional abrange partes dos municípios de Pontes e Lacerda, Porto Esperidião e Vila Bela da Santíssima Trindade.

Fonte: CENÁRIOMT

Em Mato Grosso Sonia Guajajara celebra a realizacao da ultima etapa do Ciclo COParente
Em Mato Grosso, Sonia Guajajara celebra a realização da última etapa do Ciclo COParente

Durante o primeiro dia da 14ª etapa do Ciclo COParente, realizada na terça-feira (30), em Porto Esperidião-MT, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, celebrou o sucesso da iniciativa, que percorreu o Brasil com o propósito de informar e mobilizar representantes do movimento indígena para incidirem na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30. A etapa em questão é a última do Ciclo COParente.

“Estamos desde abril rodando o país. Começamos em Belém, no Pará, e passamos por todos os biomas, sendo que o Estado do Amazonas recebeu três etapas. Estamos a um mês da COP e aqui, no Mato Grosso, que reúne os biomas da Amazônia, Cerrado e Pantanal, encerramos esse ciclo. Com o COParente visamos instituir a demarcação de territórios como política pública de mitigação da emergência climática e obter financiamento direto de fundos internacionais para que os serviços de preservação e conservação prestados pelos indígenas sejam reconhecidos. Estamos fechando o Ciclo com ‘chave de floresta’”, afirmou a ministra.

Sonia Guajajara aproveitou a ocasião para anunciar que a Terra Indígena Portal do Encantado, pertencente ao povo Chiquitano, está na penúltima etapa do processo demarcatório de 43 mil hectares do território tradicional. O território atualmente possui cinco mil hectares, porém a portaria nº 5 da Coordenação Regional de Cuiabá da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), de 18 de setembro, determinou em até 15 dias após sua publicação a instituição da equipe de planejamento para dar início ao processo de licitação de empresas para executar a demarcação física.

O intuito é instalar os marcos físicos nos limites da Terra Indígena, cuja ocupação tradicional abrange partes dos municípios de Pontes e Lacerda, Porto Esperidião e Vila Bela da Santíssima Trindade. No caso do Portal do Encantado, o Ministério da Justiça assinou a portaria declaratória após as devidas respostas às contestações ao Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da FUNAI.

De acordo com a ministra, os retrocessos provocados pela lei do marco temporal (14.701/23) e a paralisação de etapas do processo demarcatório no governo passado não impediram que o povo Chiquitano esteja agora mais próximo de obter sua demarcação, processo iniciado oficialmente em 2005.

Em dois anos, as homologações, que não aconteciam desde 2018, já ultrapassaram o montante dos últimos 10 anos antes da criação do Ministério dos Povos Indígenas – totalizando 16 territórios homologados desde o início da atual gestão do Governo Federal. Também há mais de 30 grupos técnicos da Funai, órgão vinculado ao Ministério dos Povos Indígenas, com estudos em andamento para subsidiar o processo demarcatório de Terras Indígenas.

Também somos parte

Sonia Guajajara acrescentou que o Mato Grosso é um dos estados mais difíceis de articular ações em prol da demarcação de Terras Indígenas por causa da influência de alguns setores do agronegócio, da pecuária e da mineração, assim como em decorrência de projetos de bancadas parlamentares do MT – nas câmaras de vereadores, assembleia legislativa e congresso nacional – contrárias à pauta indígena. Com exceção de um deputado, o marco temporal foi amplamente apoiado pelos demais parlamentares da Câmara Legislativa da unidade federativa.

Para a ministra, o contexto de Mato Grosso – que possui a Terra Indígena mais desmatada do país, Sararé, e outras, também carentes de desintrusão, como a TI Urubu Branco – reflete a necessidade de ampliar a discussão da demarcação e de ações de proteção territorial como medida de mitigação de emissão de gases de efeito estufa na COP 30, que começa no dia 10 de novembro, em Belém-PA.

“O combustível fóssil é o maior responsável pela emissão de gases de efeito estufa no mundo, mas ao analisarmos o recorte do Brasil, os principais emissores são o desmatamento e a degradação ambiental causada pelas pastagens de gado e pelas queimadas. A COP é a Conferência das Partes. Como também somos uma parte, queremos discutir como reduzir as mudanças climáticas a partir da escuta dos territórios indígenas”, declarou Sonia Guajajara.

Ao longo do dia, ela ouviu as demandas de lideranças das sete regionais representadas pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT), organização de base que promoveu o evento em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI).

Sonho da demarcação

Conforme o Censo de 2022 do Instituto Geográfico Brasileiro de Estatística (IBGE), o MT possui 131 municípios com população indígena que, ao todo, chega a mais de 58 mil pessoas, das quais mais de 45 mil (77%) vivem em territórios originários. Dados do Ministério da Justiça e da FUNAI indicam que o Estado tem 78 Terras Indígenas com superfície total de 20,219 milhões de hectares, sendo 58 estão regularizadas e as demais em alguma etapa do processo demarcatório.

A Coordenação Regional de Cuiabá é a segunda maior do Brasil e atende aproximadamente 12 mil indígenas em 31 Terras Indígenas, porém não se restringe apenas ao MT ao atuar na parte sul do Pará e em parte de Rondônia. Fora a CR citada, Mato Grosso possui mais cinco coordenações regionais: Juína, Canarana, Xingu, Xavante e Ribeirão Cascalheira.

“A TI Portal do Encantado é uma região atendida pela CR Cuiabá. É um sonho antigo nosso conseguir a demarcação do território”, comentou Benedito Araújo, coordenador regional da FUNAI em Cuiabá, servidor da autarquia há 26 anos.

Segundo o coordenador, a obtenção de três orçamentos diferentes possibilitou a publicação da portaria. O coordenador afirma que uma das dificuldades que a FUNAI enfrenta no Estado é conseguir empresas dispostas a fazer a agrimensura e cartografia de Terras Indígenas em função da forte presença da agropecuária.

“Temos mais duas áreas em Mato Grosso que estão em condições similares à TI Portal do Encantado: Estação Parecis, com 2.170 hectares, no município de Diamantino; e Ponte de Pedra, com 17 mil hectares, localizada entre os municípios de Campo Novo do Parecis, Diamantino e Nova Maringá. Ambas pertencem ao povo Paresi e as bordas estão ocupadas por não indígenas que já foram notificados para deixar os territórios”, relatou o coordenador, que enfatizou que o recurso para a marcação física está empenhado para execução a partir de janeiro.

Luta maior

O cacique José Mendes, da aldeia Acorizal da TI Portal do Encantado, define que a maior luta dos Chiquitanos é demarcação do território desde os anos 2000. “Começamos a correr atrás dos nossos direitos desde então, mas demos início à papelada só em 2005”, detalhou o cacique. Ele explicou que originalmente a região de fronteira com a Bolívia é o território tradicional dos Chiquitano, que também vivem no país vizinho, e no Brasil contam 32 comunidades com mais de 2,5 mil pessoas.

“O pedaço de 43 mil hectares não corresponde total da nossa área original, que abrange do município de Cáceres a Pontes e Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade. Hoje estamos fortalecendo o que morreu e resgatando o que está adormecido em nossa cultura, com nossas vestes, danças, língua e pinturas típicas”, informou a liderança.

A técnica administrativa educacional da Escola Estadual Indígena Chiquitanos, Cristiane Pereira Leite, natural de uma das quatro aldeias da TI Portal dos Encantados onde vivem aproximadamente 300 pessoas, disse que o povo Chiquitano foi proibido de falar a própria língua materna e de praticar a própria cultura no passado.

“Uma revitalização da cultura vem sendo estabelecida pelo projeto Ancestralidade, que se trata de um Plano de Gestão Territorial e Ambiental”, disse a coordenadora da iniciativa feita em parceria com o MPI, a FEPOIMT e outras organizações. O projeto começou em 2023 e no ano passado foi posto em prática para mapear o território com lugares de pesca, caça, plantio e com o apoio da escola para difundir saberes indígenas e recuperar aspectos culturais.

O PGTA é uma das políticas defendidas pelo MPI para que seja reconhecida e incorporada ao documento final resultante da COP 30, composta por 196 países membros.

Graduada na Faculdade La Salle na cidade de Lucas do Rio Verde - MT, estagiou na Secretaria de Educação do município na área de ensino. Atualmente, exerce a função de repórter e redatora no portal CenárioMT, editoria Mundo, Mato Grosso e Cidadania.