Livro retrata luta de trabalhadoras nas décadas de 40 a 60

Produção é baseada em processos da Justiça do Trabalho

Fonte: Assessoria

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O livro “Nem um Direito a Menos! É pela vida das mulheres”, da historiadora Léia Oliveira, traz à luz uma parte pouco explorada da história trabalhista em Mato Grosso, ao analisar detidamente todos os processos de trabalhadoras que buscaram seus direitos na 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Cuiabá entre 1940 e 1960. A obra é o primeiro fruto da análise do acervo de 7 mil processos trabalhistas doados, em 1996, pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT/MT) para a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Para a pesquisa, realizada em seu doutorado, a historiadora analisou os cerca de 1.200 processos ajuizados por trabalhadoras, revelando os desafios enfrentados por essas mulheres na segunda metade do século XX. Entre as histórias a uma relacionada a uma mulher que lavava garrafas para o envase da aguardente em uma usina de Mato Grosso e o marido era ajudante geral na mesma empresa. Ele tinha problemas frequentes no trabalho por causa das bebedeiras. Após ambos serem demitidos, procuraram a Justiça do Trabalho pedindo o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento dos direitos trabalhistas. A sentença deferiu os pedidos do homem, mas negou os da mulher. O juiz concluiu que, sendo mãe de sete filhos, ela não teria tempo para trabalhar fora de casa.

A pesquisa reforça o valor histórico e científico dos documentos preservados no Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR), unidade da UFMT que abriga o acervo de processos que tramitaram em Mato Grosso nas primeiras quatro décadas da existência da Justiça do Trabalho. Todo o acervo está microfilmado e disponível para consulta. Léia tem uma intimidade única com esse material. O trabalho de pesquisa realizado pela historiadora foi precedido por anos de contato com todo o acervo. Ela coordenou o projeto que, após uma série de desafios ao longo de quase 30 anos, permitiu que os documentos estejam à disposição da sociedade.

Cuidado com acervo resultou em busca minuciosa

O trabalho começou com a desinfecção e organização. A primeira etapa foi colocar o material em ordem cronológica e numérica. “A equipe era muito pequena, às vezes o trabalho era feito só por um estagiário”, relembra. “Muitos anos depois, conseguimos dinheiro para fazer a microfilmagem, concluída com 296 mil microformas”. Depois, o trabalho seguiu com a elaboração do catálogo e indexador, explica a historiadora.

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Léia selecionou alguns dos 1.200 processos ajuizados por mulheres para concentrar a análise da pesquisa e descobriu um universo de opressão e desigualdade. “Muitas dessas mulheres trabalhavam em condições precárias. Eram lavadeiras de roupas ou atuavam em pequenos escritórios e frequentemente ajuizavam ações por falta de registro na Carteira de Trabalho”, relata a historiadora. “Muitos casos de mulheres demitidas porque ficaram grávidas, outras acusadas de ladras…”.

Um dos exemplos mais marcantes envolveu a trabalhadora da usina de cana de açúcar, que empregava o casal citado no início desta matéria. “A decisão do juiz foi permeada por preconceitos de gênero”, explica Léia. “Foi como se dissesse: ‘Como ela ousou ir para o espaço público?”, comentou a pesquisadora. “Essa mulher cuidava da casa, dos filhos, suportava um marido alcoólatra e ainda foi chamada de mentirosa quando buscou seus direitos na justiça.”

Essa história reflete um padrão que Léia identificou em muitos dos casos que estudou. “Os julgamentos tinham uma carga muito machista”, afirma a autora. “A sociedade relegava à mulher o espaço do lar, e aquelas que saiam desse espaço eram recebidas com desconfiança e a justiça reproduzia esse comportamento, herdeira da cultura vigente.”

Em outro caso emblemático, uma empregada da Centrais Elétricas de Mato Grosso (Cemat) foi demitida após alertar um colega sobre um erro na leitura do relógio de energia da casa dela. O colega inverteu a situação e a acusou de pedir que fraudasse a leitura para pagar menos na conta de luz. Mesmo com provas de que a discrepância havia ocorrido apenas naquele mês, foi a funcionária, e não o colega, que acabou penalizada. “As mulheres que ousaram ajuizar ações trabalhistas eram vistas como sem caráter, preguiçosas, desonestas.”, afirmou a pesquisadora.

Formado em Jornalismo, possui sólida experiência em produção textual. Atualmente, dedica-se à redação do CenárioMT, onde é responsável por criar conteúdos sobre política, economia e esporte regional. Além disso, foca em temas relacionados ao setor agro, contribuindo com análises e reportagens que abordam a importância e os desafios desse segmento essencial para Mato Grosso. Cargo: Jornalista, DRT: 0001781-MT