A música que antes era apenas um sonho em meio ao som dos tiros no Coque, periferia do Recife, agora se transformou em palco internacional. Jovens da Orquestra Criança Cidadã foram selecionados para participar de uma turnê pela Ásia e Europa, com direito a apresentação para o Papa no Vaticano. O concerto, chamado de “Concerto pela Paz”, também terá músicos de regiões em conflito, como palestinos e israelenses, ucranianos e russos, além de sul-coreanos e norte-coreanos.
Aos 17 anos, a violoncelista Callyandra Santos é uma das 11 escolhidas para a viagem. Criada em uma das comunidades mais violentas do Recife, encontrou no projeto a chance de trilhar um novo caminho. Inspirada pelo primo e professor Davi Andrade, que também integra a orquestra, sonha em seguir carreira acadêmica na música. A trajetória da jovem é marcada pelo esforço da mãe, que trabalha longas horas para sustentar a família, e pela memória da avó, perdida durante a pandemia de Covid-19.
Histórias semelhantes se repetem entre os colegas. O violoncelista Cleybson da Silva, que perdeu a mãe para a Covid em 2020, hoje estuda música na UFPE. A violista Ana Clara Gomes, que começou a ensaiar com uma caixa de sabão em pó, também conquistou seu espaço e se prepara para a primeira viagem internacional. O violinista Pedro Martins, de origem humilde, transformava a sala de casa em palco improvisado e hoje leva seu talento para além das fronteiras do Brasil.
O projeto, criado há 19 anos pelo juiz João Targino, nasceu da necessidade de oferecer oportunidades em uma das áreas com os piores índices sociais do Recife. Atualmente, reúne cerca de 400 alunos em três polos: Recife, Igarassu e Ipojuca. O maestro José Renato Accioly destaca que reunir culturas tão distintas é um desafio, mas também a prova de que a música é uma linguagem universal.
Entre os ex-integrantes, histórias de sucesso também inspiram os mais novos. O contrabaixista Antonino Tertuliano, que começou no Coque e hoje integra uma orquestra na Alemanha, reforça a importância do projeto. “O Criança Cidadã não só mudou minha vida, mas ajudou a remodelar toda a comunidade”, disse.
Para os jovens, a música não é apenas profissão ou sonho, mas também um instrumento de paz e transformação social. Do improviso com vassouras e caixas de sabão em pó às salas de concerto internacionais, a orquestra mostra que talento e dedicação podem romper barreiras e criar novos futuros.
