O escritor marfinense Armand Patrick Gbaka-Brédé, conhecido como GauZ, esteve pela primeira vez no Brasil e compartilhou suas impressões sobre o país, ressaltando tanto a riqueza da cultura negra quanto os desafios da desigualdade social. Em entrevista exclusiva, ele afirmou que a ideia que tinha do Brasil antes da chegada se transformou diante da realidade vivida no país.
GauZ destacou a complexidade da miscigenação brasileira, reconhecendo que, embora ela tenha se iniciado de forma violenta, continuará acontecendo de maneira natural e humanista. Para ele, o Brasil serve como exemplo de um futuro inevitável onde as populações se misturam sem imposição.
“Em 100 anos, será obrigatório que o mundo seja como o Brasil porque as pessoas vão se misturar pela vontade e não pela violência”, afirmou.
Um dos choques para o escritor foi constatar a desigualdade social no Brasil, especialmente o fato de que brancos e negros pobres convivem na mesma condição de vulnerabilidade. Essa percepção reforça que as divisões são, acima de tudo, sociais e não exclusivamente raciais.
Participando da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador, GauZ falou sobre escravidão, imigração e colonialismo. Ele explicou que o conceito de África como continente foi moldado pela violência da escravidão, que uniu diferentes povos no navio negreiro.
“A violência moral e cultural da escravidão criou a África como a conhecemos hoje”, disse o escritor.
Ao comparar a escravidão histórica com o atual conflito em Gaza, GauZ apontou que ambas as situações são frutos da colonização europeia. Para ele, a solução para o conflito palestino não reside em Israel, mas nos países europeus que deram origem a essa violência.
“O que está acontecendo em Gaza é o mesmo processo colonial que aconteceu na América Latina e no Brasil”, destacou, ressaltando que a consciência do passado é fundamental para buscar justiça verdadeira.
O escritor defende que os países europeus assumam a responsabilidade histórica por suas ações e que não é justo que outros povos paguem por esses erros atuais. Ele citou o princípio jurídico do paralelismo das formas para sustentar essa ideia.
Experiência e obra
Na Casa Motiva, no Pelourinho, GauZ apresentou seu livro De pé, tá pago, lançado no Brasil após 11 anos da publicação original. A obra retrata a realidade dos imigrantes africanos em Paris, frequentemente relegados a trabalhos precários, especialmente na função de segurança de lojas.
“Na França, quase todos os seguranças são homens negros, o que revela uma relação direta entre pigmentação da pele, situação social e geografia”, explicou.
Ele criticou o sistema capitalista ao destacar que a ideia de segurança nas lojas é uma construção que justifica o controle social, criando uma falsa sensação de perigo para impulsionar o consumo.
Além de abordar o racismo e a imigração, o livro questiona o capitalismo e sua influência nas relações sociais, usando ironia e humor como ferramentas para provocar reflexão e conexão com o leitor.
GauZ afirma que sua escrita propõe uma nova literatura, que foge ao formato tradicional e utiliza a inteligência compartilhada como base para o humor presente na obra.
O evento Flipelô, que contou com a participação do escritor, encerrou sua programação no domingo.