“Pari ele com meu coração” diz enfermeira que adotou criança deficiente que havia sido abandonada em hospital

Fonte: OLHAR DIRETO

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Foto: Rogério Florentino/ Olhar Direto

O que era para ser só mais um caso de solicitação para Home Care mudou completamente a vida da enfermeira Solange Maria Pires no inicio de 2008. O pequeno Ronei Gustavo Pires, na época com um ano, estava internado no Hospital Julio Müller com neuropatia crônica não evolutiva e uma convulsão de difícil controle. Ele não fala, não se movimenta e só se alimenta através de sonda. O menino recebeu o beneficio de ir para casa, mas ao ser procurada, a família que o havia deixado no hospital, disse não querer ficar com o menino deficiente. Solange tomou a decisão de adotar Ronei e dar a ele todo o amor que ele merece. “Ele passou a ser meu filho não me arrependo em momento algum. Minha vida se transformou após a chegada dele”, diz.

Solange contou que já trabalhava há dois anos na empresa Help Vida, na avaliação das crianças que iriam para casa através do serviço de Home Care, quando soube do caso do Ronei, uma criança de um ano que estava internada no Hospital Julio Müller e havia recebido o beneficio de ir para casa para ser assistido pelo programa.

A enfermeira foi até a casa da família para verificar se o imóvel suportaria a estrutura médica e se deparou com diversos problemas sociais, financeiros, estruturais e psicológicos. A família dizia a todo momento que não tinha condições de ficar com a criança, eles não sabiam onde o Ronei estava internado e não demonstraram interesse em recebe-lo em casa.

Solange começou uma busca incansável por informações sobre o garoto, até que o encontrou internado justamente no Hospital Julio Müller, onde trabalhava como concursada do Estado. “Eu trabalhava no setor adulto e nunca havia cruzado com a história do Ronei, que estava internado na ala pediátrica, nunca tinha visto ele”, diz.

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Solange conta que mesmo com os problemas familiares a juíza solicitou o Home Care na esperança de que com uma empresa cuidando e dando o suporte necessário, a criança pudesse voltar ao seio familiar. “Não deu certo, a família morava em uma residência em situação muito precária, no final do bairro Doutor Fabio 2, não havia condições nenhuma de leva-lo para lá com o Home Care”, diz.

Devido a isso, a juíza incluiu no processo que a empresa Help Vida, juntamente com o Estado, providenciassem uma moradia para a família para que pudessem receber a criança. Durante a espera o Ronei recebeu alta e o hospital solicitou que o menino fosse levado para algum lugar porque ele não poderia mais continuar na unidade.

Os profissionais então resolveram levar Ronei para dentro da empresa Help Vida. Um quarto foi adaptado e o garoto passou a “morar” no local. A equipe avisou a família que ele poderia ficar lá somente até que a situação da casa fosse revolvida. Solange conta que durante esse tempo os pais da criança foram visita-lo apenas uma vez e que a visita não durou nem 15 minutos. “Só foram lá e olharam para ele, não demonstraram interesse nenhum nem em saber como ele estava”, diz.

Ronei ficou cerca de três meses no quarto adaptado para ele dentro da empresa, nesse tempo a dona da empresa disse que a situação precisava ser resolvida porque a empresa não poderia continuar abrigando o menino como se fosse uma residência, que ele precisava ir para um lar.

A criança estava com um ano e oito meses na época e Solange se sensibilizou com a situação. “Eu via ele lá, uma criança tão linda, necessitando tanto de alguém que responda por ele e não tem ninguém. Foi quando eu fui na promotoria e solicitei a guarda dele até que a situação da moradia da família fosse resolvida e eles me deram uma guarda provisória em 30 dias”, afirma.

Em 2008,com os dois filhos adultos e divorciada há 15 anos, Solange já morava sozinha e não pensou duas vezes antes de levar o pequeno Ronei para morar em sua casa. Ela adaptou o seu quarto e colocou a cama do menino ao lado da sua.

Solange e a equipe de enfermeiros da Help Vida receberam a orientação do promotor que caso a família os procurassem para ter notícias da criança, que fosse encaminhado para ele para que pudesse explicar o motivo que a criança havia sido retirada da empresa e levada para um lar. O promotor também se comprometeu em orientar a família em como proceder para regularizar a situação.

“Fiquei aguardando, sabia que a qualquer momento o telefone poderia tocar e alguém me falaria que a família foi atrás do menino, mas isso nunca aconteceu, eles nem perceberam que o Ronei não estava mais na Help Vida”, relata Solange.

Depois de meses o pai do Ronei foi até a Help Vida, mas não era para ser do menino, eles foi questionar o motivo que a casa ainda não havia sido disponibilizada para a família. Nesse momento ele foi informado que a criança já não estava mais alojada na empresa e que havia conseguido um lar temporário.

Solange conta que ficou um ano com a guarda provisória da criança, sendo assistida de perto por assistentes sociais e encaminhando fotos mensalmente para a juíza acompanhar a situação até que um dia ela recebeu uma intimação para comparecer a Vara da Infância e Juventude. “Eu pensei comigo, agora a família pediu ele de volta. Ronei já estava com dois anos e era um direito dos pais em querer ele de volta”, diz.

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“Quando cheguei no fórum os pais e os avós estavam lá, eles me viram e não me perguntaram nada, não procuraram saber se o menino estava bem, não pediram uma foto dele, nem falaram comigo. O guarda pediu que eu aguardasse a juíza me chamar”.

Solange conta que a espera foi longa e após cerca de uma hora, a família saiu da sala da juíza. “Eles saíram da sala e passaram por mim sem dizer nada, simplesmente foram embora. Quando entrei a juíza me disse: Em todos os anos que eu estou aqui trabalhando com criança eu nunca vi isso, eles simplesmente me disseram que não querem ele”, diz emocionada.

A juíza explicou toda a situação e informou que ela não era obrigada a ficar com a criança, que a guarda era provisória e não teria problema algum se ela não pudesse ficar, que seria marcado um dia e horário para que fossem buscar o garoto.

“Ela me explicou os tramites do processo e me disse que o Ronei ficaria a disposição do Estado para ser adotado por outra família caso eu não quisesse a guarda, mas que se eu optasse em ficar com ele a partir daquele momento ele passaria a ser responsabilidade minha, seria meu filho. Eu disse para ela: doutora eu vim preparada para brigar na justiça por ele”, afirma. Solange recebeu a documentação definitiva da guarda do Ronei cerca de 15 dias depois, sem custo algum.

A doença

Ronei nasceu no Hospital Geral no dia 5 de maio de 2006 e já nas primeiras horas de vida apresentou um quadro severo de convulsões e a equipe médica solicitou que a criança ficasse internada para acompanhamento. De acordo com Solange, a família não esperou a alta e foram embora do hospital levando a criança.

Entre vários retornos médicos após episódios de convulsão e a falta de acompanhamento e da medicação correta, aos oito meses Ronei teve uma convulsão no momento em que estava mamando e acabou broncoaspirado o leite.

A família demorou para levar a criança para receber atendimento médico e ao chegar no Pronto Socorro de Cuiabá o cérebro já havia sido afetado pela falta de oxigênio, o que causou paralisia. De acordo com Solange, se não fosse pela demora no socorro da criança, hoje possivelmente ele continuaria fazendo tratamento com os anticonvulsivos, mas estaria andando, se alimentando e vivendo como outras crianças.

Atualmente Ronei toma diversos anticonvulsivos e precisa de ventilação mecânica, se alimenta por sonda e recebe assistência médica 24 horas por dia. Solange afirma que recebe toda a assistência da Help Vida e que as contas de energia elétrica são pagas pelo Estado como beneficio concedido junto com o Home Care.