Mercado ameaça povos indígenas com avanço do carbono no Pará

Liderança Munduruku critica contrato firmado pelo governo do Pará e alerta para impactos do mercado de carbono sobre comunidades tradicionais.

Fonte: CenárioMT

Mercado ameaça povos indígenas com avanço do carbono no Pará
Mercado ameaça povos indígenas com avanço do carbono no Pará - Foto: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL

Alessandra Korap Munduruku, reconhecida ativista indígena do Médio Tapajós, tem direcionado sua atuação contra uma nova frente de ameaça: o mercado internacional de carbono. A crítica mais recente da líder se concentra no contrato firmado entre o governo do Pará e a coalizão internacional LEAF, celebrado em setembro de 2024 durante a Semana do Clima em Nova York.

O acordo prevê a venda de quase US$ 180 milhões em créditos de carbono, gerados por reduções no desmatamento entre 2023 e 2026. No entanto, o Ministério Público Federal (MPF) contesta a legalidade da negociação e chegou a solicitar sua anulação. A Justiça Federal, contudo, rejeitou o pedido de liminar, e o processo segue em trâmite.

Durante entrevista à Agência Brasil no TEDxAmazônia 2025, em Belém, Alessandra alertou para os riscos da negociação. Segundo ela, o processo ignora protocolos de consulta das comunidades indígenas e ameaça a autonomia dos povos originários sobre seus territórios. “Não fomos consultados de forma ampla. Isso enfraquece nossas decisões e aprofunda os conflitos”, afirmou.

Ela destacou ainda que o contrato pode restringir práticas tradicionais, como a agricultura de subsistência, ao atrelar a preservação florestal a cláusulas comerciais. “Como será daqui a 30 anos? Vamos precisar pedir permissão para cultivar a terra?”, questionou.

Alessandra também expressou preocupação sobre o uso dos recursos financeiros envolvidos. “Sempre vivemos com a floresta, pescando, caçando. Agora, bilhões vão cair nas comunidades sem que haja preparo ou diálogo, o que pode causar divisões internas”, disse. Para ela, a medida reforça um modelo de colonização mental e econômica.

Segundo a ativista, a negociação reforça a exclusão dos povos indígenas nos debates ambientais globais. “A COP30 virou pretexto para fazer lobby. Querem decidir sobre nossos territórios sem a nossa presença”, criticou.

Alessandra tem levado a denúncia a fóruns internacionais. Recentemente, discursou em parlamentos da Europa sobre os impactos da seca e da ausência de políticas públicas nas aldeias. Ela argumenta que os recursos prometidos para a proteção ambiental não chegam às comunidades e acabam beneficiando o agronegócio e a mineração.

Em nota oficial, o governo do Pará afirmou que realiza desde maio de 2025 o maior processo de consulta às populações tradicionais de sua história. Disse ainda que o acordo com a LEAF é apenas um pré-contrato, sem transações ou obrigações definitivas até a verificação de emissões.

Para Alessandra Munduruku, no entanto, a solução para os problemas da Amazônia não passa pelo mercado de carbono. “É um alerta à sociedade: não é mais um problema só dos povos indígenas, é de todos os povos da floresta. E crédito de carbono não resolve.”