Descobrir remédios e vacinas contra o coronavírus se transformou na maior prioridade dos cientistas. Apuramos o que está na frente e as promessas de sucesso
Imagine a prova mais esperada da Olimpíada, televisionada para o planeta inteiro. Ela começa com um atleta à frente, que de repente perde o fôlego. Outros concorrentes se aproximam, ultrapassam e agora seguem lado a lado. Alguns já não acompanham ou desistem da prova. Ainda está nebuloso vislumbrar o pódio. E, quando houver um vencedor, é bem provável que ele não cruze a linha de chegada sozinho. As previsões da ciência são diferentes das esportivas, mas é mais ou menos assim que enxergamos a corrida por tratamentos e vacinas contra a Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
Nunca o mundo assistiu em tempo real ao trabalho de tanta gente para derrotar uma doença. E o maior desafio é a busca de respostas rápidas, num ritmo oposto ao da dinâmica tradicional e criteriosa das pesquisas.
Nessa maratona contra o tempo e o sofrimento dos pacientes, duas medicações com potencial, a cloroquina e a hidroxicloroquina, foram alçadas cedo demais ao posto de favoritas. Experimentos de laboratório feitos em células atestaram que esses compostos usados contra malária e doenças autoimunes inibiam a replicação do vírus Sars-CoV-2.
Em março, uma pesquisa francesa com 36 portadores de Covid-19 indicou que todos eles haviam se curado com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina, um antibiótico. O achado foi o estopim para a fama, mas logo recebeu duras críticas: não havia um grupo controle tomando outro remédio ou placebo (pílulas sem princípio ativo) como comparativo, tampouco o trabalho fora revisado por cientistas independentes, um rito clássico para garantir a confiança nos resultados.
Semanas depois, estudos conduzidos na China e na Europa colocaram dúvidas sobre o poder de fogo da cloroquina — e ainda apontaram efeitos colaterais sérios, como arritmias.
“O assunto virou uma discussão midiática, mas ainda não sabemos a real eficácia dessa abordagem. Das centenas de trabalhos feitos até agora, parte sugere que funciona bem, a mesma quantidade mostra que não e outra parcela diz ainda que ela faz mal”, analisa Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Eistein, em São Paulo, que participa da Coalizão Covid Brasil, aliança de instituições nacionais que investiga tratamentos contra a infecção.
Além da hidroxicloroquina, a coalizão irá testar outra linha promissora de medicamentos, os imunomoduladores, que interferem na reação do corpo ao vírus. A droga escolhida é a dexametasona, anti-inflamatório da classe dos corticoides, que já demonstrou efeito contra outras formas de síndrome do desconforto respiratório agudo — uma das piores evoluções da Covid-19.
A lógica por trás é a seguinte: qualquer infecção desperta no organismo uma inflamação. Daí vêm sintomas clássicos como febre e dor. Mas, com o coronavírus, algumas pessoas produzem uma “tempestade inflamatória” — e, aí, o tiro do corpo pode sair pela culatra. “Pacientes com a forma mais grave da doença têm uma resposta exacerbada do sistema imune, que acaba atacando o próprio organismo”, explica Alexandre Biasi, superintendente de pesquisa do HCor, em São Paulo, que também participa da Coalizão Covid Brasil.
Além dos corticoides, outros fármacos podem regular a inflamação fora de controle, caso dos anticorpos monoclonais, medicamentos injetáveis mais modernos e capazes de bloquear moléculas inflamatórias específicas. Um deles, o tocilizumabe, demonstrou reduzir rapidamente a febre e melhorar a função respiratória dos acometidos pela doença.
“Nosso desafio é entender quem terá essa reação, mas sabemos que ela é importante para explicar, por exemplo, por que certos nonagenários se recuperam e jovens precisam de terapia intensiva”, conta a médica Viviane Cordeiro Veiga, coordenadora da UTI da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, outro membro da coalizão.
Na rota pela cura, a Organização Mundial da Saúde (OMS) capitaneia um estudo global, o Solidarity, em parceria com instituições como a brasileira Fiocruz. Além de remédios com efeito anti-inflamatório, o projeto testará diferentes esquemas com antivirais. São drogas já utilizadas para deter outros vírus, mas potencialmente tóxicas quando usadas em longo prazo (basta pensar no tratamento do HIV).
Fora que só inibir a multiplicação do vírus não é garantia de recuperação. “O antiviral pode ajudar, mas o tratamento também precisa minimizar problemas como a reação inflamatória e os danos aos tecidos”, diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.
Outras categorias de medicamentos também estão no alvo de hospitais e centros de pesquisa. É o caso de vermífugos e de anticoagulantes — estes últimos atuam contra um efeito secundário da Covid-19, a formação de microtrombos nos pulmões e coágulos nas artérias.
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Algo que acelera a busca dos candidatos a terapia é o reposicionamento de remédios já aprovados para outras condições, o que permite eliminar etapas do rito de análise e aprovação de fármacos. Uma medicação nova, concebida especificamente contra o coronavírus, pode demorar mais de uma década para nascer.
“Quanto mais drogas prontas descobrirmos, melhor”, afirma o biólogo Lúcio Freitas, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), enquanto dirige até Campinas para levar brigadeiros à sua equipe, que vai virar mais uma madrugada em um megaesforço para testar até 4 mil princípios ativos por semana contra o Sars-CoV-2.
Aqueles que demonstram ação in vitro (em células) passam por novos estudos até chegar a gente como a gente. “O que se observa nessa primeira etapa é muito diferente daquilo que acontece quando um humano toma um comprimido”, pondera Luciano Cesar Azevedo, superintendente de ensino do Hospital Sírio-Libanês, também parte da Coalizão. Pode levar meses ou anos para que o efeito ou a dosagem sejam delimitados.
Os especialistas ouvidos por VEJA SAÚDE visualizam um futuro de múltiplas opções terapêuticas, definidas de acordo com as características do paciente.
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