No início de 2024, a trabalhadora Laura Maria de Oliveira, de 59 anos, sofreu um grave acidente ao usar uma moto por aplicativo para economizar tempo no trajeto entre Cascadura e Tijuca, no Rio de Janeiro. Um carro mudou de faixa sem sinalizar e atingiu o veículo em movimento. Ela sofreu fraturas e lesões graves, passou por diversas cirurgias e ainda não conseguiu retornar ao trabalho.
A história de Laura ilustra um fenômeno em crescimento: o uso da motocicleta como solução para a mobilidade negada à população de baixa renda. De acordo com Victor Pavarino, especialista da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a motocicleta se tornou a alternativa viável diante de um sistema de transporte público precário, especialmente em cidades médias que cresceram sem infraestrutura adequada.
O Brasil registrava 29 milhões de motos em circulação em junho de 2025, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito. A frota de veículos de duas rodas cresceu 42% entre 2015 e 2024, alcançando 35 milhões de unidades. Somente em 2024, as vendas de motos aumentaram 18,6%.
A acessibilidade das motos levou muitos trabalhadores informais a adotá-las como instrumento de renda, especialmente em atividades como entregas e mototáxi. No entanto, essa escolha tem consequências alarmantes. Em 2023, dos 34.881 mortos no trânsito brasileiro, 13.477 foram vítimas de acidentes com motos, representando 38,6% das fatalidades no trânsito.
A Opas defende uma resposta coletiva ao problema, com foco no fortalecimento do transporte público, criação de tarifas zero e incentivo ao uso de bicicletas e caminhadas. Enquanto isso, medidas imediatas de redução de danos são urgentes, como fiscalização do uso de capacetes, roupas apropriadas, manutenção dos veículos e limites de velocidade mais baixos.
O transporte por aplicativos, por sua vez, exige regulamentação que considere a jornada exaustiva dos motociclistas, os riscos da profissão e a vulnerabilidade dos passageiros, que também influenciam a condução e a segurança do trajeto.
Além das mortes, há uma sobrecarga evidente no Sistema Único de Saúde. Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, até 75% das UTIs adultas estão ocupadas por vítimas do trânsito, predominantemente motociclistas. O governo estuda reduzir o custo da CNH e defende parcerias com plataformas para reforçar ações preventivas.
Para especialistas e autoridades, a motocicleta se transformou em um símbolo da negligência histórica com a mobilidade urbana. O avanço desse modelo impõe não apenas um desafio de segurança viária, mas também um alerta social sobre as desigualdades que se perpetuam nas ruas brasileiras.