STF e Congresso decidirão sobre ampliação da licença-maternidade em caso de bebê prematuro

Fonte: Fernanda Vivas e Rosanne D'Agostino, TV Globo

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Ágata e Maria nasceram com 25 e 28 semanas de gestação, respectivamente. Elas foram consideradas pela medicina com prematuridade extrema e tiveram de passar meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal para completar o processo de amadurecimento de órgãos vitais.

Bebês prematuros são aqueles que nascem antes das 37 semanas de gestação. Na maioria dos casos, bebês com prematuridade extrema, que nascem com menos de 30 semanas de gestação, precisam permanecer internados na UTI. Alguns só respiram com ajuda de aparelhos por um período até se adaptarem.

As mães pleitearam – administrativamente ou na Justiça – o direito de ter a licença-maternidade contada apenas após a alta hospitalar. A mãe de Maria conseguiu. A de Ágata, não.

A fim de tentar achar uma solução comum para situações como essas, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) está em tramitação no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma ação a ser protocolada nesta sexta-feira (6).

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A Constituição assegura a todas as mulheres trabalhadoras o direito de permanecer em licença-maternidade por 120 dias para cuidar dos bebês, preservando o salário.

A lei estendeu esse período para 180 dias para empresas que voluntariamente optaram por dar mais prazo. Mas a legislação não aborda situações de bebês que, por questões médicas, ficaram internados durante parte do período de licença das mães.

Na prática, a mãe tem descontado da licença o tempo de internação. E acaba ficando em casa com as crianças menos tempo que trabalhadoras cujos bebês nasceram dentro do período previsto.

Segundo dados da ONG Prematuridade.com (Associação Brasileira de Pais e Familiares de Bebês Prematuros) e do Ministério da Saúde, esses casos não são poucos: 11,7% dos nascidos vivos no Brasil em 2016 foram prematuros – a estimativa é de que, no mundo, um a cada 10 bebês nasça antes das 37 semanas.

Em 2017, por exemplo, quase 320 mil crianças nasceram antes do período considerado ideal para formação, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

A nutricionista Denise Suguitani, presidente da ONG Prematuridade.com, entende que deve ser um direito ter a licença-maternidade iniciada somente após a alta hospitalar.

“É um direito das famílias. Assim como qualquer mãe que tem bebê que nasce ‘a termo’ [no prazo certo] e tem oportunidade de cuidar do bebê, amamentar. A mãe que está na UTI neonatal é privada disso durante o período de internação e não tem o mesmo direito de criar vínculo com o filho.”

Ela explica que algumas empresas concedem o benefício após pedido da empregada sem necessidade de medidas judiciais. Outras, porém, negam. Há casos de benefícios concedidos pela Justiça e outros não.

A servidora Elisângela Dagostin trabalhava em uma autarquia federal quando, devido a uma infecção, teve a filha Ágata após 25 semanas de gestação, em setembro de 2017. Ela nasceu com 800 gramas e precisou ficar três meses na UTI de um hospital em Porto Alegre.

Quando a bebê foi para casa, a mãe só tinha mais três meses de licença e teria que voltar ao trabalho.

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Ela entrou com ação na Justiça Federal para pedir que o tempo só começasse a contar depois da alta – mas teve os pleitos negados tanto na primeira quanto na segunda instâncias.

Por fim, disse que teve “sorte” e, para ficar mais três meses em casa, conseguiu a concessão de uma licença-capacitação à qual já tinha direito.

“Se eu não tivesse essa licença, teria que deixá-la após três meses. Para um prematuro, é como se ela nascesse quando tem alta. Na mesma UTI em que Ágata estava, a mãe de outro bebê conseguiu a contagem da licença depois, mas ela era registrada pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. É uma coisa bem discricionária, um ter direito e outro não”, afirmou.

Ela relembra que, no período da UTI, mal podia pegar a filha – sempre tinha de usar luvas. “Eu tinha medo de pegar porque ela era muito frágil. A gente pensa que a enfermeira tem melhores condições de cuidar.”

Hoje, dois anos e meio depois, Ágata é a maior da turma, segundo a mãe. “Quem olha agora nem imagina que nasceu prematura.”

Elisângela faz um apelo para que toda mãe de prematuro possa ter assegurado o direito de ficar os seis meses da licença em casa.

“Quando ela estava no hospital, era como se estivesse dentro do meu corpo. Injustiça é não podermos ficar com eles o mesmo tempo que as outras mães ficam.”

A jornalista Débora Santos, que teve a filha Maria após 28 semanas de gestação em setembro de 2016, também compartilha da mesma opinião.

“Para o desenvolvimento da criança, é fundamental ficar em casa com a mãe durante os seis primeiros meses após a alta porque elas têm sequelas da prematuridade no início. A encubadora é uma barriga de plástico. Fica gestando a criança fora do corpo da mãe. E começa efetivamente o desenvolvimento quando eles têm alta”, conta.

Débora Santos era servidora comissionada do STF e fez um requerimento administrativo ao tribunal para que a licença começasse a contar após a alta médica. A Diretoria Geral do tribunal autorizou, sem necessidade de apresentação de pedido à Justiça.

“É muito importante que seja uma garantia já estabelecida quando a mulher e a família passam por uma situação tão complicada. Os pais estão preocupados se o bebê vai sobreviver e ainda precisam ter a preocupação de entrar na Justiça. Têm o ônus de batalhar por um direito que é da mãe e da criança”, completa.

Em razão de uma doença rara chamada síndrome hemolítico-urêmica atípica, Débora teve pré-eclâmpsia, doença que aumenta a pressão arterial e antecipa o parto. Maria nasceu com apenas 680 gramas e ficou dois meses na UTI.

Ela conta que ter mais tempo com a filha foi essencial. “Com mais tempo, consegui ajudar na introdução alimentar, resolver a maior parte das questões motoras. No primeiro ano de vida, os prematuros demoram um pouco mais para pegar o ritmo”, disse.

Ação no STF

Em uma ação apresentada nesta sexta-feira ao STF, a deputada federal Marina Santos (Solidariedade-PI), que é médica, argumenta que é fundamental o prazo maior para a mãe dar o suporte necessário ao bebê nos primeiros meses de vida.

“A mulher só pode exercer a maternidade com plenitude quando ela e a criança estão saudáveis. Essa plenitude não existe dentro do ambiente hospitalar. Além de uma questão de saúde, se trata de justiça com essa mulher e, principalmente, com essa criança”, afirma.

A ação pede que, no caso dos bebês prematuros, a licença só seja iniciada a partir da alta hospitalar do recém-nascido ou da mãe, o que ocorrer por último – para casos em que a mãe também permaneça no hospital. E o pedido é que esse entendimento seja aplicado imediatamente a todos os casos.

O principal argumento apresentado é o de que, no caso dos bebês prematuros, a contagem de dias sob licença será menor ao número de dias realmente necessários para se garantir a integração e o estreitamento de laços afetivos do recém-nascido com a família.

O pedido cita estudos científicos que comprovam que a permanência da criança ao lado da mãe logo após o parto “representa uma medida de conforto psíquico”, e que “em hipóteses mais severas, em que a criança e/ou a mãe, por qualquer motivo, precisem permanecer internados, os dias tolhidos da convivência familiar jamais serão recuperados”.

Segundo ela, atualmente, não há segurança jurídica para que, em casos de complicação hospitalar, a mãe possa usufruir plenamente do período de licença-maternidade.

“É importante que o STF defina uma interpretação constitucional da legislação que se adeque a essa realidade, garantindo o respeito aos dispositivos constitucionais que consagram a indispensabilidade da proteção à maternidade, à infância, e ao convívio familiar”, diz o advogado Rodrigo Mudrovitsch, que assina a ação.

O tema será distribuído a um relator no STF, que deverá pedir informações a órgãos relacionados com o tema antes de levar a julgamento. Não há prazo isso acontecer.