O dilema de Lisboa: atrair investidores ou conter os preços do mercado imobiliário?

Capital portuguesa é símbolo da recuperação econômica do país após as crises do passado recente, mas ela acontece às custas de outros problemas sociais

Fonte: Débora Ramos

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Há pouco tempo, Lisboa, capital de Portugal, era um remanso da Europa. Seu centro histórico estava velho e os prédios estavam semiabandonados. Alguns quarteirões da região central eram terreno de traficantes e moradores de rua. A cidade era uma demonstração da devastação da crise de débito europeia pós-2008.

Assim, em 2011 o país entrou em uma série de estágios dolorosos no retorno a um empréstimo internacional de € 78 bilhões (R$ 343 bilhões), ou € 92 bilhões (R$ 405 bilhões), entre os quais veio atrelada uma nova lei imobiliária que liberou o mercado de capitais de circular no setor.

Hoje, a cidade está vivendo um boom: os turistas chegam em cruzeiros e preenchem os quarteirões com veículos pequenos que sobem e descem as montanhas. Os prédios históricos foram reformados. Novos bares e restaurantes ressuscitaram. Os sites para imobiliárias e corretores, de uma hora para outra, não dão conta dos clientes.

Mas quem ganhou e quem perdeu no retorno à vida de Lisboa se tornou um questão divisória entre os habitantes e para a Europa, à medida que o continente finalmente emerge de uma década perdida de sua crise econômica para ver o que ela causou.

Portugal é o primeiro exemplo da recuperação econômica europeia: o desemprego foi reduzido pela metade. As exportações estão bombando. Os investidores estrangeiros chegam aos montes a Lisboa. O país oferece aos compradores de propriedades € 500 mil (R$ 2,2 milhões) ou mais pela chance de um “visto de ouro” para residir lá.

Além disso, a renda mensal média está alta: € 850 (R$ 3,7 mil). A liberalização do mercado, combinada com um grande fluxo de investimentos estrangeiros, ajudou a aumentar os preços dos imóveis em Lisboa em 30% nos últimos dois anos.

“A estratégia de Portugal para sair da crise era toda voltada para atrair investimento estrangeiro, o que resolveu um problema financeiro maior, mas agora também está criando novas questões para nossa população, como a crise imobiliária de Lisboa”, explicou Ana Drago, ex-advogada e pesquisadora de estudos urbanos na Universidade de Lisboa, ao jornal britânico The Guardian.

O reavivamento de Lisboa parece, para muitos habitantes menos privilegiados que estão sendo retirados de suas casas, como uma mudança abrupta de um extremo para o outro: em algumas ruas os dois lados do pêndulo vivem muito próximos. No bairro medieval de Mouraria, um luxuoso condomínio foi construído poucos metros distante de um renovado edifício que se tornou a segunda casa de investidores franceses e de outros países.

No final da rua, porém, um antigo prédio com varandas estreitas se tornou um símbolo para ativistas portugueses que lutam contra as evacuações dos imóveis, um fenômeno novo na cidade. Em frente à casa, habitantes que venceram uma lenta batalha judicial para permanecer no bairro penduraram um boneco do Papai Noel cercado por cartazes mostrando seus desejos de Natal: casas acessíveis e igualdade social.

Sem dúvida, muitos portugueses, levados por aqueles que têm o mercado imobiliário nas mãos, consideram a transformação de Lisboa uma parte essencial das recentes transformações econômicas de Portugal. A chegada de grandes investidores e celebridades como a cantora estadunidense Madonna está “criando problemas imobiliários em alguns bairros”, disse Luís Correia, diretor de um hotel da capital do país ao jornal Público.

“Mas as pessoas não devem se esquecer de que ninguém queria fazer nada para salvar esses mesmos bairros anos atrás”, continuou.

Quando Portugal recebeu o empréstimo, Lisboa tinha 552 mil habitantes e 322 mil propriedades, das quais 50,2 mil estavam vazias, de acordo com o Censo de 2011. Um ano depois, a nova lei de aluguéis chegou à força liberando o mercado imobiliário. Os políticos procuraram dar o exemplo: em 2011, António Costa, que era prefeito lisboeta à época, levou o prédio da prefeitura do centro histórico para uma antiga fábrica de telhas em uma esquina da região de Intendente, um quarteirão conhecido pelos usuários de drogas e prostitutas.

Hoje, Costa é primeiro-ministro de Portugal e o bairro de Intendente é irreconhecível: ali foi construído um shopping imenso, enquanto cafés e outros projetos estão funcionando. No centro fica um jardim rodeado por portões de metal forjado vermelhos projetados por Joana Vasconcelos, uma das artistas mais conhecidas do país no exterior.

“A cidade está mudando rápido, mas para melhor”, afirmou recentemente Joana. “Minha impressão é que Lisboa está voltando a ser o que era, porque ela foi uma cidade multicultural por muitos séculos, um centro comercial que estava conectado com o mundo. Durante um período obscuro de ditadura, nós perdemos o rumo, mas agora estamos de volta”, finalizou.

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